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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Pré-romantismo


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José Bonifácio, o Velho
Ode aos Gregos
Ó musa do Brasil, tempera a lira,
Dirige o canto meu, vem inspirar-me:
Acende-me na mente estro divino
De heróico assunto digno!
Se comigo choraste os negros males,
Que a saudosa cara pátria oprimem,
Da Grécia renascida altas façanhas
As lágrimas te seguem.
Se ao curvo alfange, se ao pelouro ardente,
Política malvada a Grécia vende;
As bandeiras da cruz, da liberdade,
Farpadas inda ondeiam.
As baionetas que os servis amestram,
Carnagem, fogo não assustem peitos
Que amam a liberdade, amam a pátria,
E de Helenos se prezam.
Como as gotas de chuva o sangue ensopa
Árido pó de campos devastados;
Como do funeral lúgubre sino
Gemidos mil retumbam.
Criancinhas, matronas, virgens puras,
Que à apostasia, que à desonra vota
O feroz Moslemim, filho do inferno,
Como mártires morrem.
E consentis, ó Deus! Que os tristes filhos
Da redentora cruz, árabes, turcos,
Exterminem do solo antigo e santo
Da abandonada Grécia?
Contra algozes os míseros combatem,
Contra bárbaros crus, honra e justiça:
E Europa geme, - só tiranos frios
Com tais horrores folgam.
Rivalidades, ambição, temores,
Sujo interesse, a inerte espada prendem,
E o sangue de cristãos, que lagos forma,
Um ai não lhes arranca!
Perecerás, ó Grécia, mas contigo
Murcharão de Albion honra e renome;
O sórdido egoísmo que a devora
É já do mundo espanto!
Não desmaies, porém: a Divindade
Roborará teu braço: e na memória
Gravará para exemplo os altos feitos
Dos ilustres passados.
Eis os mirrados ossos já se animam
De Miltíades: já da campa fria
Ergue a cabeça, e grito dá tremendo
Para acordar os netos.
“Helenos, brada, ó vós, prole divina,
Basta de escravidão – não mais opróbios!
É tempo de quebrar grilhão pesado
E de vingar infâmias.
“Se arrasastes de Tróia os altos muros
Para crime punir que amor causara,
Então por que sofreis há largos anos
Estupros e adultérios?
“Foram assento e berço às doutas musas
O sagrado Hélicon, Parnaso e Pindo:
Moral, sabedoria, humanidade
Fez vicejar a lira.
“Ante helênicas proas se acamava
Euxino, Egeu, e mil colônias iam
Levar artes e leis às rudes plagas,
E da Líbia e da Europa.
“Um punhado de heróis então podia
Tingir de sangue persa o vasto Ponto:
Montões de corpos inda palpitantes
Estrumavam os campos.
“Ah! Por que não sereis o que já fostes?
Mudou-se o vosso céu e o vosso solo?
E não são inda os mesmos estes montes,
Estes mares e portos?
“Se Esparta ambiciosa, Atenas, Tebas,
O fracticida braço não tivessem
Em seu sangue banhando, nunca a Grécia
Curvara o colo a Roma.
E se de Constantino a infame prole
Do fanatismo cego não houvera
Aguçado o punhal, ah! Nunca as luas
Tremularam ufanas.
Depois que foste, ó Grécia, miseranda,
De déspotas brutais brutal escrava,
Em a esquerda o Corão, na destra a espada,
Barbaria prega o turco.
“Assaz sorveste já milhões de insultos,
Já longa escravidão pagou teus crimes:
O Céu tem perdoado. – eia, já cumpre
Ser Helenos, ser homens.
“Eia, Gregos, jurai, mostrai ao mundo
Que sois dignos de ser quais fostes dantes;
Eia, morrei de todo, ou sedes livres!”
Assim falou, - calou-se.
E qual ligeira névoa sacudida
Pelo tufão do norte, a sombra augusta
Desaparece. A Grécia inteira brada:
“Ou liberdade ou morte”.
Ausência
Em Paris, no ano de 1790.

Pode o Fado cruel com mão ferrenha,
Eulina amada, meu encanto e vida,
Abafar este peito e sufocar-me!
Que pretende o Destino? em vão presume
Rasgar do meu o coração de Eulina,
Pois fazem sós um coração inteiro!
alma impressa,
Tu desafias, tu te ris do Fado.
Embora contra nós ausência fera,
Solitárias campinas estendidas,
Serras alpinas, áridos desertos,
Largos campos da cérula Amphitrite
Dois corpos enlaçados separando,
Conspirem-se até mesmo os Céus Tiranos.
Sim, os Céus! Ah! parece que nem sempre
Neles mora a bondade! Escuro Fado
Os homens bandeando, como o vento
Os grãos de areia sobre a praia infinda
Dos míseros mortais brinca e os males
Se tudo pode, isto não pode o Fado!
Sim, adorada, angelical Eulina.
Eterna viverás a esta alma unida,
Eterna! pois as almas nunca morrem.
Quando os corpos não possam atraídos
Ligarem-se em recíprocos abraços,
(Que prazer, minha amada! O Deus Supremo,
Quando fez com a voz grávido o Nada,
Maior não teve) podem nossas almas,
A despeito de mil milhões de males,
Da mesma morte. E contra nós que vale?
Do sangrento punhal, que o Fado vibre,
Quebrar a ponta; podem ver os Mundos
Errar sem ordem pelo espaço imenso;
Toda a Matéria reduzir-se em nada,
E podem ainda nossas almas juntas,
Em amores nadar de eterno gozo!
Improvisado
DERMINDA, esses teus olhos soberanos
Têm cativado a minha liberdade;
Mas tu cheia, cruel, de impiedade
Não deixas os teus modos desumanos.

Por que gostas causar dores e danos?
Basta o que eu sofro: tem de mim piedade!
Faze a minha total felicidade,
Volvendo-me esses olhos mais humanos.

Já tenho feito a última fineza
Para ameigar-te a rija condição;
És mais que tigre, foi baldada empresa.

Podem meus ais mover a compaixão
Das pedras e dos troncos a dureza,
E não podem abrandar um coração?
Ode aos Baianos (trecho)
(...)

Duas vezes, Bahianos, me escolhestes
Para a voz levantar a pró da pátria
Na assembléia geral; mas duas vezes
Foram baldados votos.

Porém enquanto me animar o peito,
Este sopro de vida, que ainda dura
O nome da Bahia, agradecido
Repetirei com júbilo.

Amei a liberdade, e a independência
Da doce cara pátria, a quem o Luso
Oprimia sem dó, com riso e mofa —
Eis o meu crime todo.

Cingida a fronte de sangrentos loiros
Horror jamais inspirará meu nome;
Nunca a viúva há de pedir-me o esposo,
Nem seu pai a criança.

Nunca aspirei a flagelar humanos —
Meu nome acabe, para sempre acabe,
Se para o libertar do eterno olvido
Forem precisos crimes.

Morrerei no desterro em terra estranha,
Que no Brasil só vis escravos medram —
Para mim o Brasil não é mais pátria,
Pois faltou a justiça.

(...)
[Eu vi Narcina um dia]
Eu vi Narcina um dia, que folgava
Na fresca borda de uma fonte clara:
Os peitos, em que Amor brinca e se ampara,
Com aljofradas gotas borrifava.

O colo de alabastro nu mostrava
A meu desejo ardente a incauta avara.
Com ponteagudas setas, que ela ervara,
Bando de Cupidinhos revoava.

Parte da linda coxa regaçado
O cândido vestido descobria;
Mas o templo de amor ficou cerrado:

Assim eu vi Narcina. — Outra não cria
O poder da Natura, já cansado;
E se a pode fazer, que a faça um dia.
(Apostila 2 de Pré-Romantismo Brasileiro)

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José Eloi Ottoni (1764-1851)
Soneto
Portugueses! A nuvem tenebrosa
Qu’ofuscava a razão desaparece,
Desfez-se o caos que a discórdia tece:
Já se encara sem medo a luz formosa.
Dos erros a progênie maculosa
Baqueando em soluços estremece.
A justiça dos céus ao trono desce,
Marcando os faustos à nação briosa.
Lísia, berço de heróis, oh Lísia, alerta!
Cumpre que os ferros o Brasil arroje,
Seguindo o impulso que a razão desperta.
A expressão de terror desmaia e foge,
Graças à invicta mão que nos liberta,
Escravos ontem, sois Romanos hoje!
[Ó lágrimas, ó pérolgas!]
Ó lágrimas, ó pérolas1 A aurora
É menos pura do que vós sois belas,
Do sol do amor, ó úmidas estrelas,
Aljôfar da manhã, riso de Flora.
Ó faces de que Febo se namora
Quando meiga ternura acode a vê-las,
Se há graças devem ser somente aquelas
De uma alma ingênua que suspira e chora.
Nos olhos de Marília o pranto agrada,
Maviosa expressão de olhos serenos,
Dá glória aos numes, existência ao nada.
Ó lágrimas, ó pérolas, ao menos
Vós sois na mais serena madrugada
Intérpretes de amor, alma de Vênus!
O Livro de Jó (trechos)
Capítulo II
Contra Deus, contra Jô, de novo atenta
O inimigo da Luz, pseudo-profeta,
Que entre os coros dos Anjos se apresenta.
Pergunta-lhe o Senhor: - Não foi completa
A vitória de Jó? Consideraste
Como é firme a inocência, porque é reta?
-Em vão eu o afligi - : tu me incitaste.
As palavras de Deus Satã repele,
Dizendo: -Tu, Senhor, o excetuaste,
A mão eu pus em tudo, exceto nele;
Bem vês, que os homens por salvar a vida
Darão tudo o que têm, pele por pele.
Estende agora a mão, deixa que erguida
Toque-lhe a carne, aos ossos não perdoes,
Tu verás a inocência então perdida;
Inda espero, que Jó te amaldiçoe
Face a face. - Pois sofra, e não pereça;
Que o teu braço se estenda, e que magoe,
Eu to permito, vai. - Satã se apressa,
E a Jó ferindo, o deixa aberto em chaga
Desd’os pés até o alto da cabeça.
Jó no esterco raspando a imunda praga,
Depois que em podridão maligna escorre,
C’um pedaço de telha o corpo afaga.
Sua mulher, que o vê, mas não discorre,
-Perseveras, lhe diz, sem que te rales,
Louvando a mão de Deus? Pois louva, e morre.
Diz-lhe Jó: - Cumpre, ó louca, que te cales;
Se os bens da mão de Deus tu recebeste,
Porque não deve receber os males?
(...)
Capítulo VI
Oxalá, - disse Jó - que os meus pecados,
Objetos d’ira, e tudo que eu padeço,
Fossem como em balança bem pesados!
Ver-se-ia então pender com mais excesso,
Que as areias do mar, tormentos, dores,
Verdugo d’alma, da razão tropeço;
Tem os males na voz os condutores.
O Senhor ergue o braço, e me asseteia,
Combatem contra mim do Céu terrores.
Devoro a indignação, devoro a idéia
De meus males. No monte orneja o bruto,
Muge o boi, quando o pasto lhe escasseia.
Faltando o sal, é insípido o conduto;
Quem bebe, ou come, o que desgosta, e mata?
Eu fugia ao trovão, que agora escuto.
A amargura, se outrora me era ingrata,
Hoje a aflição é todo o meu sustento:
Que ansioso desejo me arrebata!
Quem me dera, Senhor, que o meu tormento,
Já que origem lhe deste, se acabasse,
Reduzindo-me ao pó, que espalha o vento!
Ou quem a meus rogos de furor se armasse
A mão qu’imploro, a mão, de quem o espero,
Como pela raiz me decepasse!
Aflige-me, Senhor, sê mais severo,
Que eu sem opor-me ao Santo por essência,
Que me acabes de dor, aspiro e quero;
Eis meus votos, Senhor. Que resistência,
Posso eu ter se não tenho fortaleza!
(...)
Capítulo XXXVII
Inquieto o coração no peito bate!...
De seu poder a idéia me horroriza!
Escuta o som terrível do combate!...
Eis a voz do trovão, que se desliza,
Sai da boca de Deus. Grandes da terra,
Ouvi, tremei... Se o eco atemoriza,
Que horror não vem do raio, que ele encerra!
Tubo abaixo do Céu, ele examina,
Do relâmpago a luza desfaz, desterra
As sombras do Universo. Ele domina
Sobre a voz da grandeza; trovejando
Após Ele o terror, e o eco ensina
O ruído da voz. De quando em quando
Ele soa e ninguém a compreende.
O ribombo das serras atroando,
Maravilhas de Deus o eco aprende,
Que Ele é grande, insondável, reconhece.
Manda a neve que tombe, ela se estende
Sobre os campos; a chuva lhe obedece;
Desprende aluviões, põe selo a tudo;
E o malvado a si mesmo se envilece;
Tudo à voz da tormenta é quedo, e mudo.
Sopra o vento do Arcturo enregelado;
Busca ao frio o calor, ao medo escudo
A fera no covil. É gelo o prado,
A um assopro de Deus a fonte é gelo;
Que de frio em torrentes derramado
Se derrete e desfaz. Na espiga o grelo
Da seara co’as nuvens alegrando
Reparte ao camponês co’a luz desvelo.
As nuvens tudo em torno alumiando
A vontade lh’espreitam e obedecem.
Um leve aceno seu aproveitando,
Sobre a terra, que é sua, as nuvens descem.
Seja tribo estrangeira, em qualquer parte
De seu gosto e vontade, se esclarecem.
Ouve, Jó, maravilhas, que reparte
A mão do Onipotente, considera
Contigo mesmo... E pode tu dest’arte
Sabe o que em si mesmo Ele pondera,
Quando à chuva mandou que descobrisse
De seus raios a luz que aparecera?
Porventura houve mão que dirigisse
Das nuvens a vereda? Ou regulando
A sua inteligência ao menos visse
O grau da perfeição? Calor mais brando
Ou mais forte o vestido não te aquece,
Do meio-dia os ventos assoprando?
Provérbios de Salomão (trechos)
12.
Eu sou a sabedoria
Que delibero em conselho;
Assisto aos judiciosos,
Tanto ao moço como ao velho.
15
É por mim que os reis imperam
Nos corações por amor;
As minhas leis é que formam
O sábio legislador.
18
Os tesouros da abundância
Pelo meu braço se entornam,
Riquezas, glória, justiça,
Magnificência me adornam.
21
Nos caminhos da eqüidade,
Nas veredas da prudência.
Com quem me ama eu reparto
Além do amor, opulência.
22
Na mente eterna incriada
O Senhor me possuía;
Antes de haver criatura
Eu já coeterna existia.
26
No globo o caos ainda
Não mostrava o que ele encerra,
Nem dos rios a corrente,
Nem os dois pólos da terra.
27
Quando ao autor do firmamento
Aos abismos prescrevia
Certas leis, a tudo estava
Presente a sabedoria.
(Apostila 3 de Pré-Romantismo Brasileiro)
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LADISLAU DOS SANTOS TITARA
Letra do Hino "Dois de Julho"
(Hino da Bahia)
Letra: Ladislau dos Santos Titara
Música: José dos Santos Barreto
Nasce o sol a 2 de julho
Brilha mais que no primeiro
É sinal que neste dia
Até o sol é brasileiro
Nunca mais o despotismo
Referá nossas ações
Com tiranos não combinam
Brasileiros corações
Salve, oh! Rei das campinas
De Cabrito e Pirajá
Nossa pátria hoje livre
Dos tiranos não será
Cresce, oh! Filho de minha alma
Para a pátria defender,
O Brasil já tem jurado
Independência ou morrer.
Paraguassu
Poema épico
Canto I [Anjo Benigno, que feliz à Humanos]
Anjo Benigno, que feliz à Humanos,
Para exalçar nações, dos Céus baixaste:
Augusta, ó Liberdade, eia, me inspira;
E d’Épico instrumento os sons canoros
Dá, que divinos guardem, sobranceiros
Aos turvos lagos do esquecido Letes,
Heróis quanto criou guerreira a Pátria:
E, animados por Ti, prodígios quantos
C’roa cingiram, de fulgor perene,
As, d’alto jus à glória, honrosas lidas,
Que salvo o Pátrio berço, à pleno, deram,
No assunto, sem igual, tua influência
Sobeja o voar implume esteie à Musa.
Canto I [Tanto que o Município desse prisco]
Tanto que o Município desse prisco
Povo, rei do Orbe inteiro, decidira
Legiões, que os nós desdém, mudar segundas
O Gênio do Brasil, que ativo o escruta,
Peito a baldá-lo põe; e lá firmando
No Amazonas caudal a planta enorme,
Transcende etérea mole desmedida,
Às margens sobranceiro do Janeiro,
Por onde cometer de Jove o assento,
Raivando, pretendeu Titânea prole:
E quanto à Diva, que semeia trevas,
Horas apenas sobejavam duas,
Para que ao fulvo Irmão nos Hemisférios
Desfechar consentisse acesos fachos;
Quanto cadentes aliciavam astros
Mais ao supor gratíssimo, e cingia,
Com suave liame, Orfeu Humanos:
Qual fora em sonhos ao Diôneo Teucro,
Do futuro enunciar Cileno arcanos;
Fragueiro se acelera, e do Magânimo jeito,
Do Bragantino Moço, então Regente,
Que, outro Filho de Rhea, à um Novo Império
Robustos profundava os alicerces,
Tomado de respeito, ao toro chega.
Canto III [Ao horrendo fremir das rijas portas]
Ao horrendo fremir das rijas portas,
Intrépida Heroína, acorre Antiste,
A que do sacro Encerro a paz cabia;
E porque a sanha acalme aos monstros, única
O postigo desfecha, e ora mil preces
Exaure a eliminá-los; ora ativa
Emprega suasões, e as cãs ostenta,
Dos anos ao langor enbranquecidas;
As cãs, que sempre, te, ó Virtude, honraram:
O ar ostenta verendo, o ar tranqüilo,
A que palor não dão mãos homicidas,
Os celerados crus, que inexoráveis
Na culpa o coração enduram, e ávidos,
De vítimas (Ó Céu!) inda não fartos!
Recrudescem em dobro, e perrompendo
O empecilho, que os têm, mais que ferozes,
Sem pio ardor, sem dó, descridos cravam
Co’a morte o gume no virgíneo seio,
Que viste infortunosa cair, Lapa,
Do freiricida atroz aos pés sanguentos:
Tal, ao golpe exicial de arcabuz rouco,
Por mãos injustas, à Inocência adversas,
Tomba rola, que em paz, e riso habita
Sombrio entrecho dos nutrícios bosques,
Sem dos perjúrios, sem labéu dos crimes,
Gozando os teus, Natura, almos melindres.
Canto IV [Diz como idosos, ferrugentos tubos]
Diz como idosos, ferrugentos tubos,
Bahiano esforço por ameias tendo,
Rudes carretas, à ligeira, montam.
Ocorre-lhe também falar daqueles,
Tupica multidão, nas frechas destros,
Que do teso arco com vigor travando,
As tabas deixam mais, que muito, amadas;
E, em tribos várias, a reunir-se marcham.
Dos Uapis ao som, ao som da Inúbia,
Compassando uns trás outro, em longas restes,
Seguem os Paiaiás, pródomo vindo
Morubixaba afoito, às tribos chefe:
E à todos, quais na paz, seguem nos prélios,
Oh! Conjugal ternura! As leais consortes,
Que à extremos dadas, ânsia põe inteira
E com eles a triunfo, ou ir à Campa.
Canto V [Ilha em tudo primaz, Ilha famosa]
Ilha em tudo primaz, Ilha famosa,
Tão amena, e tão fértil, que eclipsara
Essa, em que (a ser verdade) seus guerreiros
D’asp’ras lidas pintou Camões divino,
Olvidados pousar, beber delícias.
Noticiam também, de que arte, um Luso
Vem trânsfuga dali, e aos seus bem nota,
Que o lado ocidental era então ermo
D’algo, que desembarque aí tolhesse.
Canto VI [Progrediam no Exército, à grã sanha]
Progrediam no Exército, à grã sanha,
Intermitentes, petechiaes, mil febres,
As falanges consumo, e que guerreiros
Tanto inutilizam; obra acerba,
Quiçá dos hostis Numes. Muito arredo
Era o magno hospital; um longe menos,
D’amplo seio também, es estabelece
Na Itapuã, e a incumbência cabe dele,
A Cabral, que a Elísia recém-vindo,
Na Esculapina ciência amplo, e perito,
Aos seios se passara patrióticos,
E ali, a seus febri-fugos desvelos,
Restrição não pequena se devera
De impertinente morbo. Inda que tanto
Desfalcadas as forças, cônscio o Chefe
De que a Esquadra Ulisséia predispunha
Do Fluminense auxílio ao desembarque.
Canto VIII [Do Pirajá volvendo, atiça chamas]
Do Pirajá volvendo, atiça chamas,
(Tuas cenas, Moscou, lembrando aflitas!)
Que encorpadas guiando-se, amplo abrasam
E às cinzas tornam Fábrica estendida!
Manancial de fartura, que prestava,
Do melífero suor, anuo estilado,
Mil candidatos cabuchos, donde safra
Ao dono vinha, de valor enorme;
Ao dono, que seu crime é ser Bahiano!
Em amplitude tal, quanto em estima,
D’équoreo braço às bordas, franco sempre,
Mais preço tinha a Granja; uma dos muros
Milha quiçá distante, mole aquária
Volteava-lhe abundosa os rijos prelos,
Que rápidos se atuam, premem lestos,
Com estufado dente, haste arundina,
Seu dispêndio é menor, tem mais presteza,
Que quantos (modo usual) vigor eqüino,
Ou tardo boi pesado, a agitar, sua.
Herdade outra também d’outro Bahiano,
Comem vorazes flamas, e desta arte,
Crêem os Godos punir pungente
De, n’um só dia, heróicos Brasileiros
Dupla vitória obter, com que se enramem.
(Apostila 4 de Pré-Romantismo Brasileiro)


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FREI FRANCISCO DE SÃO CARLOS
A Assunção da Santa Virgem
Canto I [Era no tempo frígido, e sereno]
Era no tempo frígido, e sereno,
Em que ao nosso Hemisfério o riso ameno
Já mostra a primavera: vida ganha
O verdor dos Jardins, e da Campanha
Ia o Sol em Ástrea quase entrando,
Seus raios ida frouxos dardejando.
O torto Cajueiro se adornava
Das purpúreas folhinhas, que brotava.
Cobria-se de flores a mangueira,
E o ar embalsamava a laranjeira.
A sua fruta d’ouro, que em doçura
Vence a Aristeu, caía de madura.
O terno Sabiá buscando amores
Já saudava por entre os mil verdores
Do copado pomar, seu senhorio,
A chegada das águas, e do Estio.
Das ursas o Pyrhois se desviava,
E ao Capripedo término voltava.
Do pólo Árctico a parte toda escura
Deixando, o Céu da linda cinosura,
O Lapão frio, a inculta Noruega,
A quem natura quase tudo nega.
Canto II [Numa horrível prisão, que fez o Eterno]
Numa horrível prisão, que fez o Eterno
Na mais interna furna lá do inferno;
Onde em reto Juiz sopra inflexível
Contra os réprobos chama inextinguível
Habita Lúcifer: sentindo o peso
De Deus, que ali o suplanta em ira aceso.
É um monstro medonho, e tão disforme
Na massa colossal do vulto enorme,
Que se o doce repouso, e a paz gosara,
Deitado duas geiras ocupara.
De tão sombria, e horrenda catadura,
Que faz pavor à mesma Estige escura.
No réprobo semblante retratado
Vê-se todo o rancor dum condenado.
Os olhos afiguram dois cometas,
Que ardem entre duas nuvens pretas.
A boca era, se abria, internamente
Estuante fornalha. Quando ardente
Do peito o ar pestífero bafeja,
De vivas brasas turbilhões dardeja.
Assim do Etna o gigante, se respira,
Lavas de enxofre aceso a Jove atira:
Todo o monte convulso se a outro lado
Revira o enorme corpo, meio assado.
Não é tão feia, não, a noite umbrosa,
Que apanha o viajor em mata idosa,
Perdido entre fusis, raios freqüentes,
Urros de tigres, silvos de serpentes,
Como este monstro singular, e incrível,
Quase sem forma, quase indefinível.
Se o Canto Ulisseu vira esta demo,
Diria ser gentil o Polifemo.
Em torno dele giram a milhares
Vãos espectros, nas formas singulares
Do pecado, e da morte infame raça
Que lhe faz corte, que lhe faz a praça.
Canto III [Ó Musa, dá a meus versos a doçura]
Ó Musa, dá a meus versos a doçura
Dos frutos, de que vou dar a pintura.
A manga doce, e em cheiro soberana,
Que imita o coração, no galho ufana,
De um lado a crócea cor, e fulva exalta
Do luzente metal, que a muitos falta,
De outro lado porém retrata aquela,
Que o pudor chamas às faces da donzela.
Pendendo estão dos ramos verdejantes
Os cajus, à saúde tão prestantes;
Uns amarelos, e outros encarnados,
Das gostosas castanhas coroados:
Talismãs, que lhes deu a natureza,
Por não se fascinar tanta beleza,
Odoríferos jambos coroados
Alvejam na vergôntea apinhoados.
Negreja o liso abrunho, envolto em luto,
O qual da Síria veio: e o débil fruto,
Que lá de Cerasuta o nome toma,
Por Lúculo trasido à velha Roma.
Entre as folhas gigantes laceradas
Dos bananais espessos arranjadas
Lourejam suas filhas; aguçando
O apetite, e os olhos afagando..
Dos folhudos festões estão pendentes,
Pelo tronco trepando, os recendentes
Frutos da agreste flor, quadro imitante,
Do martírio, e paixão de um Deus amante.
Gemem enfim as árvores curvadas
Com o peso das frutas sazonadas.
Do limão virginal, da áurea laranja,
Pomos d’oiro talvez, que em vossa granja
Hispérides zeláveis; mas colhidos,
São por Tirintio a Euristeu trazidos.
No mesmo ramo encanta a formosura
Da fruta em flor, da verde, ou já madura:
Mostrando a natureza aqui reunido,
Quanto n’outras sazões tem repartido.
Tal matrona fecunda em proles belas
Núbeis tem, uma ao colo, e outras puelas.
Assim num quadro só pincéis mui hábeis
Desenham mil objetos deleitáveis.
Assim por São João, no mês nevado,
Depois do esbulho teres suportado
De tuas ramas velhas, ó roseira,
Aos astros te apresentas lisonjeira,
Quando as novas de rosas mil enxertas;
Umas inda em botão, outras já abertas.
Em vão nédios racimo a encrespada
Vide, que com o olmeiro está casada
À luz fébea expõem, tanta riqueza
Ai! Da pompa é troféu, é só beleza.
Alígero cantora da etérea estância
Apenas prova parte da abundância.
Tal era a sorte de outras muitas frutas,
Sempre das mãos intactas, e incorruptas.
Tal a da pinha, que trazida outrora
Do Eóo país, berço da aurora,
Com seu néctar suave torna escravos,
Abelhas de monte Hibla, vossos favos.
Tal a tua, ananás, rasteiro, e baixo:
Mas que tens por coroa alto penacho,
E em vestido de escamas, qual guerreiro,
Um hálito bafejas lisonjeiro.
Nem baixo te reputes desonroso:
Tal de Carlos o pai, mas foi famoso.
E o bravo lá da Emátia, na estatura
Apoucado, foi raio de bravura.
Canto IV [Que cenas mais pueris, e extravagantes]
Que cenas mais pueris, e extravagantes,
Que os deuses ver correndo dos gigantes,
Vagar aqui, e ali, sempre assustados;
Nas grutas, e nas brenhas eclipsados?
Em ridículas feras convertidos,
Por não serem dos monstros percebidos?
O mesmo Jove que do Olimpo atroa,
Com a prole bastarda só povoa
De Deus Céu, de Semideuses terra:
Feito, que a idéia Divinal desterra:
Ele foi por lascivo, chuva d’ouro,
Carneiro, cisne, e águia, enfim foi touro.
Era o orgulho decoro: gentileza
Imolar o rival, honra e nobreza
Praticar horrores da vingança,
Ou ter em cinza a brasa da esperança.
Eis tua moral, Politeísmo
Que tinha de extirpar o heroísmo
Destes claros varões assinalados;
Pregoeiros de Deus, do Céu mandados.
Canto V [Nas planícies do Céu, entre sombrio]
Nas planícies do Céu, entre sombrio
Arvoredo copado, há um desvio.
E um grato retiro afortunado,
Somente pelos Anjos freqüentado:
Que ali vão várias vezes de passeio
Por mudar, ou de sítio, ou de recreio.
Aqui de fino jaspe antiga gruta
Existe, de uma fone nunca enxuta;
Que desce murmurando cristalina
Por áreas de prata. Aqui domina
A taciturna imagem do segredo.
Já mais de Orfeus alígeros o enredo
Doce gorjeia: não sussurra o vento,
Nem range, ou bate porta de aposento.
Não soa ao longe lá da torre enorme
O relógio fiel, que nunca dorme.
Nem a voz da atalaia, que disperta
Gritando ao camarada: alerta, alerta.
Não freme o duro quicio ao carro preso,
A força estranha a resistir do peso.
Nem late o cão fiel ao vão ruído,
Guardando a grei do armento espavorido.
Está tudo em silêncio, eternas flores
Matizam o lugar, e os seus verdores.
É propriamente a Lapa, e os tais matizes,
Habitação dos Êxtasis felizes,
Que ali moram, e estão sempre suspensos,
A contemplar do Eterno os dons imensos.
Canto VI [A palmachristi, a nova Ipecacuanha]
A palmachristi, a nova Ipecacuanha
Do velho Dioscórides estranha.
Da Cupaíba o óleo precioso,
Que vence a dor e o golpe mais p’rigoso.
Ervas, plantes, sucos e virtude
Férteis de vida, fontes de saúde.
Encontram-se também tribos errantes
Nos bosques; que entre si beligerantes
Vivem de singular, e estranho povo,
Que parece outra raça, gérmen novo.
Antropófagos são, que a tão sabido
Grão de horror chega humano embrutecido!
Pintam o rosto seu mal encarado
De verde, cróceo, roxo, e de encarnado.
E por fugir à vespa o corpo todo
De resinas agrestes, ou de lodo.
Tecer ignoram; mas as suas telas
São as plumas das aves, cores belas.
A vida passam em contínuas festas
De crápulas, e danças inhonestas.
A cidade, que ali vedes traçada,
E que a mente vos traz tão ocupada,
Será nobre colônia, rica, forte,
Fecunda em gênios, que assim quis a sorte.
Será pelo seu porto desmarcado
A feira do oiro, o empório freqüentado.
Aptíssimo ao comércio; pois profundo
Pode as frotas conter de todo o mundo.
Será de um povo excelso, gérmen airoso
Lá da Lísia, o lugar mais venturoso.
Pois dos Lusos Brasílicos um dia
O centro dever ser da Monarquia.
Canto VII[No meio deste horror, que o execrando]
No meio deste horror, que o execrando
Orço pálido excita, um Drago infando,
Que lá no abismo ignipotente impera;
Lusbel por nome, nome que trouxera
Antes de ser das nuvens fulminado,
Saindo a campo, eis que esbraveja ousado:
E com voz de trovão, que a esfera espanta,
Tais blasfêmias vomita da garganta; -
“Se dessa tubra laxa, vil, malquista,
Por onde com horror estendo a vista,
Ousa alguém arrostar-me, e não receia
Comigo se medir, venha ‘té a área:
Venha, que o espero: e já de agora juro,
Que a coragem decida do futuro.
Mas que digo: ousa alguém fazer-me frente?
A mim? Conquistador Omnipotente?
A mim? Que cultos tenho, tenho altares
Fumando o incenso? A mim? A quem milhares
Se prostram lá no Estix, que nada temo,
Que sou Nume do Côas, um Deus supremo?”
Os íncolas do Céum com tais sarcasmos
Estremecerão, e ficarão pasmos
Que ouviram um Deus fora daquele,
Do orbe Autor, e quanto existe nele.
Tal no vale se lê do Terebinto
Que um Filisteu membrudo, armado o cinto
De brônzeas malhas contra o Céu bradava:
Mas a fúria brutal, que blasfemava
De Jeová, acabou no débil braço
De um inerme pastor sem peito d’aço.
Recusaram os Anjos o duelo
Por falta igualdade. Mas o zelo,
Que a Michael inflama, não podendo
Mais moderar-se, que lhe está fervendo
Fê-lo pular, e o colo da altiveza
Espezinha sanhudo. Tal presteza
Mostra açor se de um vôo em terra tomba
E entre as garras empolga a incauta pomba.
O monstro sufocado, inutilmente
Revolve o resto do volume ingente.
Tal a cobra no colo se é calcada,
A cauda enrola, e desenrola irada.
Rápido arqueja, túmido assobia,
E em vão contra o Celeste o dente afia.
Não podendo escapar, com mil atrozes
Ardis passa a inventar metamorfoses.
Agora em fogo, agora em água fria,
Agora em lodo vil se convertia.
Umas vezes o corpo dividindo
Em partículas mil, está fingindo
O mineral volúvel prateado,
No solo derretido, ou boleado.
Outras em pó, fumaças, e granizo
Volvia-se o maldito d’improviso;
Mas o Celeste Campeão com peso
Debaixo dos seus pés sustinha-o preso.
Canto VIII[Eis a Jerusalém nova, escondida,]
Eis a Jerusalém nova, escondida,
(Uns aos outros diziam) que vestida
De graças mil, de luz, de formosura,
Remonta, e vem da solidão escura.
O Sol, que lá do Arquétipo saindo,
Riu-se toda a natura, ao ver tão lindo;
O Sol, astro de influxos bem feitores,
Que Oceano de Luz, e resplendores
Empresta aos outros astros claridade;
Nunca ostentou tão linda majestade.
(Apostila 1 de Pré-Romantismo Brasileiro)

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