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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Contemporânea






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Boca do Inferno - Ana Miranda - Resumo

Personagens

Gregório de Matos Guerra - poeta do Barroco. "O boca do inferno" - genial canalha - fazia críticas mordazes aos políticos da Bahia do século XVI.

Padre Antônio Vieira - em seus sermões e cartas, atacava o clero brasileiro e políticos, revelando a seus fiéis as contradições sociais.

Antônio de Sousa Menezes - governador da Bahia - O Braço de Prata.

Gonçalo Ravasco - inimigo de Antonio S Menezes

Bernardo Ravasco - irmão

Bernardina Ravasco - filha de Bernardo

Maria Berco - empregada dos Ravasco e amante de Gregório.

Tele de Menezes - secretário do governador

Donato Serotino - mestre de esgrima

Antonio de Brito - mata Francisco Teles de Menezes

Anica de Melo - cafetina

Este é um romance escrito em 3ª pessoa e dividido em A Cidade, O Crime, A Vingança, A Devassa, A Queda e O Destino, passado no século XVII (1863), na Bahia colonial, durante o governo tirânico do militar Antônio de Souza de Menezes, apelidado de Braço de Prata, por usar uma peça deste metal no lugar do braço (perdido numa batalha naval contra os invasores holandeses).

A ação se passa em Salvador. Nessa cidade de desmandos e devassidão, desenrola-se a trama de Boca do Inferno, recriação de uma época turbulenta centrada na feroz luta pelo poder entre o governador Antônio de Souza de Menezes, o temível Braço de Prata, e a facção liderada por Bernardo Vieira Ravasco, da qual faziam parte o padre Antônio Vieira e o poeta Gregório de Matos. Note-se a linguagem histórica, com expressões chulas (vulgares), uma referência à sátira mordaz do poeta Gregório de Matos Guerra.

A Cidade - Descrição da Bahia do século XVII - imagem de um paraíso natural, mas onde os demônios aliciavam almas para proverem o inferno - há também a apresentação do poeta sátiro Gregório, o Boca do Inferno, de estilo barroco.

O Crime - Francisco Teles de Menezes é emboscado por 8 homens encapuzados, tem sua mão arrancada do braço e é morto por Antônio de Brito. O motivo se deu por perseguição política - estarão envolvidos no crime: Ravasco, irmão do Padre Vieira e Moura Rolim, primo de Gregório. Os homens fogem para o Colégio dos Jesuítas, mas o governador da Bahia - Antônio de Sousa Menezes, O Braço de Prata, será avisado e começará uma terrível perseguição contra todos envolvidos.

A Vingança - Antônio de Brito será torturado e delatará os envolvidos - Viera será perseguido - mas por representar a igreja e o poder papal, o governador releva, mas quer o irmão Bernardo Ravasco preso e destituído do cargo de Secretário do Estado. Ao tentar proteger a filha Bernardina Ravasco, Gregório conhece Maria Berco, que será presa ao saber que ela possuía a mão e o anel do Alcaide (o anel será penhorado). São confiscados de Bernardo documentos escritos e os poemas de Gregório. Bernardina é presa para pressionar Ravasco a se entregar.

A Devassa - Rocha Pita é nomeado desembargador para investigar a morte do Alcaide. Palma, também desembargador, nega a vingança planejada pelo governador e por falta de provas, exige a soltura dos envolvidos mas, para soltar Maria Berco, Gregório teria que pagar uma fiança de 600 mil réis.

A Queda - Bernardino é libertado e expatriado. O governador é destituído do cardo e o Marquês de Minas é nomeado para substituí-lo, restituir o cargo de secretário a Bernardo Ravasco e se apresentar imediatamente ao Rei de Portugal. Mesmo assim sai do Brasil com muitas riquezas. O próximo governador, Antônio Luís da Câmara Coutinho, também será satirizado pelo poeta Gregório que terá sua morte encomendada, mas só o próximo governador, João de Lancastre, é que conseguirá prendê-lo e expatriá-lo para a Angola, volta mais tarde para Pernambuco, mas será proibido de escrever suas sátiras. Volta a advogar e morre em 1695, aos 59 anos.

O Destino - Padre Vieira lutará por justiça








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Desmundo - Ana Miranda - Resumo

Adaptado de:Discurso poético e discurso histórico:uma relação intertextual, de: Cláudia Espíndola Gomes

Numa noite estrelada do ano de 1555 chega ao Brasil uma caravela trazendo uma leva de órfãs mandadas pela rainha de Portugal para se casarem com os cristãos que aqui habitavam. Com a mente repleta de sonhos e fantasias, elas pisam pela primeira vez a terra distante, onde um mundo rude, belíssimo, violento, as espera. A história dessas órfãs é contada por uma delas, Oribela, com sua visão mítica, espiritual, sensual, uma jovem que costuma ter visões noturnas, ímpetos de partir e muito medo da paixão que habita sua alma. Seu relato íntimo revela, todavia, não apenas as aspirações e angústias de sua desamparada existência feminina, mas a brutalidade do desmundo que a cerca, o encontro de povos em guerra, o conflito entre seres diferentes, a intolerância religiosa, os terrores que encerra o desconhecido.

Suas "palabras pronunciadas con el corazón caliente" formam um suntuoso relato arrancado das partes mais inconscientes, mais misteriosas, de um ser que atravessou não apenas o oceano Atlântico, mas a linha imaginária que separa a realidade e o sonho, a liberdade e a escravidão, o amor e o ódio, a virtude e o pecado, o corpo e o espírito.

O discurso ficcional permite a desestabilização do discurso da história, e as histórias podem, então, ser narradas a partir de um ponto de vista não focalizado pelo último. Se, por exemplo, à história dos primeiros anos de colonização do país o acesso se dá através dos cronistas portugueses, o romance de Ana Miranda lê a história destes momentos a partir de um outro prisma, acompanhando, inclusive, o pensamento da personagem pontilhado de crenças, medos e questionamentos diante do mundo/desmundo que a ela se apresenta.

A literatura passa a traduzir uma história que não se quer imóvel. Através da narrativa de Oribela, o leitor ingressa em formas de ação e de pensamento da época, deparando-se com aspectos tais como existência feminina, religiosidade, nova terra, amor e sexualidade. Por meio do relato da personagem fictícia, torna-se possível pensar no que ela possui de comum com outros indivíduos que viveram no século XVI, que, por sua vez, herdaram sua forma de ver o mundo a partir de estruturas mentais construídas culturalmente. O romance de Ana Miranda, enquanto situação especial de comunicação, se oferece a uma leitura no horizonte da história das mentalidades e aproveita para utilizar as informações que lhe pode oferecer este tipo de história.

Mais uma vez o intertexto com a história se faz presente em Desmundo e, no discurso de Oribela, ouvem-se as vozes que surgem também quando se consultam livros sobre a história das mulheres na sociedade colonial, sociedade esta que procurava, conforme Mary del Priori, domesticar a mulher no seio da família, privando-a de qualquer poder ou saber ameaçador e regulando seus corpos e suas almas.
Esta normatização se dava através de dois mecanismos poderosos: o discurso normativo da Igreja e o discurso médico. Em Desmundo, os ecos do discurso religioso se fazem ouvir, por diversas vezes, na voz da própria personagem narradora, que permite as vozes de seu pai, da Velha, de Francisco de Albuquerque, de membros da Igreja, a revelarem qual deveria ser o papel feminino.
Um dos momentos em que se torna perceptível de maneira mais enfática esta questão pode ser apreendido no fragmento textual seguinte:

"Ora ouvi, filhas minhas. Aquela que chamar de vadio seu homem deve jurar que o disse em um acesso de cólera, nunca mais deixar os cabelos soltos, mas atados, seja em turbante, seja trançado, não morder o beiço, que é sinal de cólera, nem fungar com força, que é desconfiança, nem afilar o nariz, que é desdém e nem encher as bochechas de vento como a si dando realeza, nem alevantar os ombros em indiferença e nem olhar para o céu que é recordação, nem punho cerrado, que é ameaça. Tampouco a mão torcer, que é despeito. Nem pá pá pá pá nem lari lará. Nem lengalengas nem conversas com vizinho, seja ele quem for, ou cigano, nem jogos nem danças de rua, nem olhar cão preto que pode ser chifrudo, deus te chame lá que ninguém te chama cá, temperar legume com sal, não apagar luz que alumia morto nem deitar as águas fora que é de judaísmo, não pedir favores nem pôr os olhos no vizinho nem o corpo na cama de outro, tem o esposo direito de acusar, para provar inocência a esposa deve lavrar a mão num ferro de arado em brasa. Açoite e língua furada àquela que arrenegar. Os esposos devem dar panos às mulheres, mas só nas festas reais, se lhes oferecer o mercador um bom preço, que eles não façam obra alguma desde o posto do sol até o sol saído e dia de domingo e a viver segundo o capricho dos homens. Aqui do rei.
E disse eu, Ora, hei, hei, não é melhor morrer a ferro que viver com tantas cautelas? Ai, como sou, olhasse a minha imperfeição, olhasse meu lugar, sem eira nem beira nem folha de figueira" (p. 67).
O fragmento textual pertencente à terceira parte do romance, intitulada "Casamento", revela aspectos interessantes que podem ser analisados. Este fragmento desdobra-se em duas vozes diferentes: a da Velha que orienta as jovens próximas do casamento e a de Oribela a questionar sobre tantas imposições. Oribela parece, em determinado momento, encurtar as orientações da Velha, quando, após tantas regras, surge a frase: "Nem pá pá pá nem lari lará". Percebo as interdições impostas pela Velha como um momento em que a autora recorre às informações extraídas de textos referentes à história das mentalidades para construir seu texto. É significativo observar, por exemplo, a reiteração da conjunção coordenativa aditiva "nem" e do advérbio de negação "não", para revelar a quantidade de interdições a que uma mulher casada seria submetida.

Outro aspecto bastante significativo, quanto ao fragmento textual, é a referência à normatização do corpo representada, no texto, pelo fato de as interdições estarem ligadas a partes do corpo, em seqüência: cabelos, beiço, nariz, bochechas, ombros, olhos, punhos, mãos, língua e, por fim, novamente, o corpo todo. Nada pertenceria totalmente à mulher: nem sua alma, nem seu corpo.

O emprego da maior parte dos verbos no infinitivo revela, ainda, a idéia de atemporalidade, ou seja, as interdições que se declaram a partir do discurso da Velha parecem valer por muito tempo, numa alusão às mudanças lentas estudadas pela história das mentalidades, a história da longa duração.
Como é possível perceber, a história vai sendo lida a partir da literatura, com a possibilidade de uma liberdade maior no trato com questões esquecidas pela história tradicional. Zilah Bernd relaciona esta liberdade de que pode desfrutar o texto ficcional à literatura das sociedades pós-coloniais, atentando para o fato de que, nestas sociedades, a literatura terá o papel de suprir os vazios da história oficial, possibilitando que versões populares dos fatos históricos possam se fazer ouvir, versões estas repletas de referências ao imaginário e de muitas outras significações, postura bastante comum na ficção da América Latina. O escritor assume a tarefa do cronista e, além de trabalhar com a informação, trabalha com a possibilidade de reconstruir o imaginário. A vantagem deste tipo de discurso é exatamente a possibilidade de desestabilizar a história oficial, seja através da utilização do ponto de vista descentralizado, seja através da apresentação de questões não abordadas por aquele tipo de história. No romance de Ana Miranda, por exemplo, são apreensíveis as relações intertextuais com o discurso histórico, já a partir do momento em que as epígrafes são cotejadas. Quando a personagem Oribela passa a narrar sua experiência no desmundo, a rede intertextual continua.

A linguagem que permite este discurso intertextual em Desmundo advém, ao que parece, de uma linhagem rosiana. Alguns aspectos presentes na produção literária de Guimarães Rosa surgem na linguagem da personagem narradora, como a revelar a necessidade de compreender a realidade e o mundo, ambos muitas vezes incompreensíveis. A linguagem vai sendo, então, moldada conforme o uso que se quer fazer da língua.

Davi Arrigucci Jr., quando se detém a observar, em Guimarães Rosa, as relações entre linguagem e realidade, aponta para vários aspectos presentes na linguagem rosiana, especificamente no que concerne ao poético presente em Rosa.(17) Percebo que muitos dos aspectos apontados por Arrigucci em relação à linguagem de Rosa são utilizados, também, por Ana Miranda, para construir a linguagem de Oribela.
Arrigucci, ao ater-se ao poético em Rosa, elege traços que caracterizam a linguagem rosiana, estabelecendo, entre o primeiro e o poeta espanhol Góngora, um paralelo. Em meu trabalho, aproprio-me da análise da linguagem rosiana feita por Arrigucci e, ao invés de relacioná-la a Góngora, procuro buscar o que há em comum entre a linguagem rosiana e a linguagem utilizada por Ana Miranda, para construir o discurso de Oribela.

Em ambos, o instrumento lingüístico disponível é insuficiente para demonstrar a grandiosidade dos universos apresentados. Em Desmundo, especificamente, do mundo - desmundo que a Oribela se apresenta. Há, então, a fuga à linguagem bem comportada e lexicalizada. Para a criação desta linguagem, comparece uma série de recursos. A começar pelo título do romance, uma palavra não-dicionarizada, Desmundo, uma vez que parece faltar o termo exato para expressar o significado da nova terra para Oribela, que vê seu destino como "desrumo", outro termo inexistente na língua oficial. Vale lembrar, ainda, que, ao se referir à nova terra, a personagem narradora utiliza palavras, dicionarizadas ou não, que são iniciadas pelo prefixo de negação "des", como se, vê em: "despejado lugar" (p. 16), "terras desabafadas" (p. 26), "desventura" (p. 1), além dos já citados "desrumo" (p. 138) e "desmundo" (p. 138). Ou seja, através do trabalho com a linguagem, é possível revelar o caráter de purgação que caracterizava a nova terra. Além dos termos não-dicionarizados já citados, outros comparecem para construir o discurso da personagem Oribela, conferindo à linguagem um matiz arcaico e, ao mesmo tempo, popular.
Há, entre as palavras não-dicionarizadas, aquelas cujo matiz arcaico se faz pela ocorrência de metaplasmos, de alterações fonéticas, o que se verifica também em Guimarães Rosa. Tais palavras podem, ou não, registrar, em dicionário, uma forma correspondente, estatuída como oficial. De Guimarães Rosa, extraídos de Grande Sertão: veredas, ilustram o primeiro caso: "satanazim", "patavim", "asp'ro", "arreparare", "essezim", "tirotêi". As formas diminutivas "satanazim" e "essezim" exemplificam a apócope e, ao lado da alteração fonética do sufixo, "inho", remetem ao tom arcaizante que Guimarães Rosa deu à linguagem literária, inscrevendo-a como voz do povo. A tais ocorrências junta-se a síncope do /e/ em áspero>asp'ro, lembrando a rejeição popular às formas proparoxítonas. E, ainda, "arreparare", trazendo à memória a freqüência de próteses características do desempenho popular: alembrar, afamilhar, azangar, arreceber, adispois, arruído, arrefém, alumiar, entre outros elementos lexicais, numerosos, dicionarizados, ou não.

Em Ana Miranda, podem ser citadas, como ocorrências de metaplasmos: a prótese em "alenternas" (p. 18), "alembrar" (p. 14); em "estromentos" (p. 18), a desnasalização ins>es lembra que, na gramática popular, um traço recorrente é a flexibilidade nasalação/desnasalação das vogais iniciais [e] e [i], por alomorfias de prefixos, como "em", em ilegal/inlegal, irreal/inreal, emagrecer/esmagrecer. Tais flutuações estendem-se, também a palavras em que "em" e "in" são iniciais sem que sejam prefixos, como se verifica em "instrumentos/estromentos", onde um outro metaplasmo é registrado ainda: a assimilação u>o, na sílaba tru>tro, resultante da desnasalação ins>e. Isso porque a troca da vogal alta [i] pela média [e] acentua um contexto de vogais médias [e], [o], já integrantes da forma instrumentos: a tônica [e] e a átona final [u], harmonizada em [u], conduzindo à assimilação da vogal alta [u] pela vogal média [o]; em "interlocutores/trolocutores" (p. 21), no prefixo "inter" ocorrem três metaplasmos: aférese da vogal [i], a metátese ter>tro e a assimilação e>o. A aférese constitui-se traço característico da fase arcaica da língua e, também, do desempenho popular "ojeriza/geriza", "alambique/lambique", "alicate/licate", "inimigo/nimigo", "datilógrafo/tilógrafo", "homenagem/menagem". O mesmo pode ser dito da metátese: perguntar/preguntar, entreter/interter, intervalo/intrevalo, procurar/percurar. A assimilação da vogal anterior [e] pela posterior [o], na sílaba ter>tro, resulta de um contexto onde a predominância se constitui de vogais posteriores, em "notivo" (p. 51) e "porquera" (p. 62), a síncope da semivogal [y] faz a redução do grupo vocálico, tão corriqueira na fala popular; "renembranças" (p. 123) atualiza a forma arcaica "nembrar", vinda da evolução do radical latino "memorare", que registra os seguintes metaplasmos: síncope do [o], de onde memorare>memrare, a que se acrescem a dissimilação [m]>[n], a epêntese do [b], desfazendo a sequência [mr] e a apócope da átona final [e], já enfraquecida pela neutralização [e]>[i]. Do arcaico "nembrar", chega-se à forma atual "lembrar" pela dissimilação [n]>[l]; Alemania e Alimania, realizações populares de Alemanha, endereçam às alternâncias [n]/[ñ]: Antônio/Antonho, bem como às harmonizações [e]>[i] e [o]>[u], muito freqüentes na voz do povo. Em "alifante" e "ourinar", as alterações fonéticas resultam de analogias. "Alifante" estabelece uma relação de semelhança com outras ocorrências já apresentadas como marcas da fala popular: alivantar, arreceber, assossegar, etc... "Ourinar" substituindo "urinar" resulta da analogia entre o amarelo do ouro e o da urina, resultando ourina/orina, ourinar/orinar, formas comparáveis a ouro/oro.

Na linguagem rosiana, são freqüentes, ainda, criações resultantes de processos derivacionais: pacificioso, vastoso, estranhoso, docice, pobrejar, espinarol, desenormes, antesmente, horrorizância, prostitutriz, trestriste, desjustiça, desmim, regrosso, etc.... Formas compostas inusitadas também são encontradas: "zé-zombar", "outrolhos", "vagavagar", "alinhalinhar", "neblim-neblim", "contracalado", "malmontar", etc...
Assim como em Guimarães Rosa, também em Ana Miranda formas derivadas e compostas revestem a linguagem de acento popular e arcaico. "Omildosa" (p. 43) e "trigosas" trazem à tona a freqüência de adjetivos em "oso"/"osa", já em textos medievais. Além da marca sufixal, é preciso considerar, em "omildosa", o registro escrito sem o h inicial, um dos traços da escrita arcaica, fonética, desvinculada de étimos gregos ou latinos e que caracteriza, também, a grafia popular; "trigosas", significando apressadas, pressurosas, aparece no "Auto da Alma", de Gil Vicente, numa das falas do anjo: "Já cansais, alma preciosa/Tão asinha desmaiais?/Sede esforçada!/Oh! como viríeis trigosa/ e desejosa/ se vísseis quanto ganhais/nesta jornada".

Há, na fala do povo, uma intuição da forma da palavra que se quer linguagem como imagem, conduzindo a criações não estatuídas, pelas quais o dizer enuncia com maior clarividência o que quer fazer-se voz. Assim "renembranças" (p. 143), "desrumo" (p. 10), "disraiar" (p. 109), "dulçura" (p. 28), "esmerdada" (p. 14), "cuidações" (p. 30), "estridosamente" (p. 57), "bonamore" (p. 30), "vem-para-casa-mesmo-bêbado-papai" (p. 127), "águafrescáguafresca" (p. 11).

Doçura é expressão corriqueira, e o sentimento, quando se quer dizê-lo inusitado, é num percurso de reencontro com raízes que se vai buscá-lo, retornando ao étimo latino dulce>doce. Da mesma forma, "bonamore", forma composta, aglutinando os radicais latinos bonus>bom e amoris>amor, o bom amor, imune às contradições, o amor sonhado tranqüilo: Benditas as desposadas e casadas; para o meu varão me guardei perfeita, ru, ru, chegasse com o pé direito, trouxesse Deus o bonamore, que não tenho nenhuma burrinha, tirasse de mim os desejos, os temores, os fingimentos, as visões (...) (p. 30). É uma voz ambígua esta de Oribela que, no "bonamore", situa o sonho na realidade da obrigação de guardar-se para o esposo, e, nas visões, a experiência do inferno da relação homem/mulher, o real, a fazer-se negativa do sonho.

A justaposição "ia-voava", em "sentimento meu ia-voava para ele", extraída de Guimarães Rosa, já referida anteriormente, faz-se tradutora de um sentimento trigoso, pressuroso, impulso amoroso em apressamento que com essa, não com outra voz, deve ser dito. Em Ana Miranda, o "aviso da terra" (p. 11) traz o júbilo desenfreado da sede a ser saciada e que se expressa, aqui também, numa forma justaposta "águafrescáguafresca" transfigurando-se em canto, euforia:

"acabada a água do armário do camarote e só chuva para tomar, atinava eu que ia beber água fresca, água fresca, água fresca, água fresca águafrescáguafresca lari lará, molhar as mãos, as ventas, derramar o que fosse, sem contar gota por gota, não ouvir mais gente bradar por água, molhar meus cabelos em um chafariz, bica ... (p. 11)".

"Diguice", "conspeito", "percurar, "imigo" são arcaísmos, dentre outros presentes em Guimarães Rosa. A eles acrescenta-se "peia", bagagem, cuja ocorrência em Gil Vicente pode ser comprovada com um excerto da "Farsa de Inês Pereira": "Pero: deitai as peias no chão./Inês: "As perlas para enfiar,/três chocalhos e um novelo/e as peras do capelo: e as peras onde estão?"

Também, em Ana Miranda, além de "trigosas", registra-se o arcaísmo "pardeus" interjeição correspondente a "por Deus", cujo emprego pode ser ilustrado pelo verso: "Pardeus! bom ia eu à aldeia", da "Farsa de Inês Pereira", de Gil Vicente. "Rodiquelhe" (p. 24), "alvaiade" (p. 24), "adens" (p. 15), manseza (p. 28) tornam-se ilustrativos de uma freqüência considerável de palavras que dão, à linguagem de Ana Miranda, o acento medieval/popular.

Surge, na voz de Oribela, uma língua viva, vida perceptível pela negação de sua unicidade. Não é uma língua social única, mas representante da contínua evolução histórica de uma língua viva. A voz de Oribela busca compreender, a partir desta língua, o desmundo em que se encontra.
Há momentos em que, para compreendê-lo, parecem faltar palavras. É necessário entender a vida, "uma rede de tristuras tenebrosas" (p. 125). Neste momento, a metáfora, mais um recurso utilizado pela linguagem rosiana, segundo Arrigucci, comparece na construção de uma linguagem cheia de mistérios a serem descobertos, num "estilo cujo objeto é o próprio estilo".(18) Em Ana Miranda, as metáforas atuam na construção do discurso de Oribela e representam a linguagem poética de forma significativa. Há que se observar uma delas: "nem dobrou minha alma em joelhos" (p. 59). Esta metáfora faz referência à expressão "em joelhos", muitas vezes presente durante o romance, reveladora da concepção medieval de mundo (tantos joelhos viviam a dobrar-se), ainda no século XVI. Quanto à metáfora, não são os joelhos no sentido denotativo que se recusam a dobrar-se, mas os joelhos da alma, a alma que se quer livre, que não se dobra diante de tantas imposições e negações oferecidas pelo mundo novo à alma de quem fosse mulher. Que se quer mistério e não permite que o coração seja desvendado.
Nesta metáfora há, ainda, referência a dois aspectos relativos à mulher, que deveriam ser domesticados: a alma e o corpo (representado pela palavra joelho). Quanto a Oribela, os joelhos podem até dobrar-se, mas, quanto à alma ... É ter "numa parte o corpo e noutra o coração" (p. 24).

Surgem metáforas que atestam a forma como Oribela compreende o real, mas, até mais que isto, a maneira como procura entender-se enquanto ser humano neste mundo que entra pela porta de seus olhos, a fazer que seus desejos sejam "torcidos com amarguras" (p. 105).

Um outro recurso utilizado por Guimarães Rosa, as antíteses, também surge em Desmundo, como a revelar o caráter contraditório mundo versus desmundo, ou seja, a esperança e a desesperança e as próprias dúvidas que atormentam a personagem: "boas mulheres versus putas e regateiras" (p. 35), "poder alembrar e poder esquecer", "luz e sombra" (p. 57), "grande segredo é o morrer, maior segredo é o viver" (p. 66), "sacramentada ao Ximeno versus a suspeitar que ele era o demo" (p. 187) e muitas outras antíteses que, muito mais que as matas, as grandes florestas fazem seu estro perder-se em labirintos sem fim. Quando me atenho com mais vagar a uma destas antíteses "boas mulheres x putas e regateiras" (p. 35), torna-se inevitável um retorno ao intertexto com a história das mentalidades e aos protótipos de mulher forjados pela sociedade colonial: o da santa mãezinha e o da mulher sem qualidades.
Ao papel da santa mãezinha estava associado o perfil inspirado na devoção européia à Virgem Maria, e o modelo de feminilidade correspondia à castidade, ao sacrifício e à sociedade. Era necessária a purificação da mulher, desde as origens um agente de Satã, e esta purificação, de forma mais urgente, era mister numa terra como a nossa, onde reinava o Diabo.

À mulher sem qualidade, aquela da rua, corresponde o avesso da santa mãezinha, e, por não enquadrar-se no papel a ela destinado, era demonizada e excluída. O uso que fazia da sexualidade era considerado ameaçador, por colocar em perigo o projeto da Igreja e do Estado, segundo o qual o corpo feminino deveria estar a serviço da sociedade patriarcal e do projeto de colonização.

Oribela, outras vezes, durante o romance, demarcará esta diferença e parece se perguntar: até que ponto sou uma "santa mãezinha" e até que ponto sou uma "mulher sem qualidade"? Que papel agradaria a ela, de verdade, assumir?

Todas as antíteses observadas durante a leitura do romance, parecem culminar em questionamentos acerca de assuntos muito variados, como, por exemplo: Viver, que significa? Morrer? Quem realmente é o mouro? Vida, qual seu significado?

Uma outra característica da linguagem rosiana é a utilização da hipérbole (21) propriamente dita, também aproveitada para a elaboração do romance "Desmundo". Há um grande medo do castigo divino, e a hipérbole seguinte representa a enormidade do medo:

"ia o pai mandar muitas setas de fogo, gemidos, chamas de enxofre que nunca acabam de queimar, tal que o ímpeto de um rio de lágrimas não poderia apagar (p. 50) um dia Deus alagaria o velho mundo com as águas do céu em que se afogaria todo o gênero humano como se matasse uma vaca brava e a terra ficaria deserta, restando os que tinham vindo ao novo país e quem aqui fosse o mais forte seria o rei do mundo" (p.85).

O que se refere a Deus, principalmente no que concerne ao castigo divino, é sempre visto de maneira hiperbólica pela personagem narradora. O hiperbólico se presentifica, também, no que concerne às imagens visionárias que povoam os delírios da personagem central:

"era eu devedora de pagar com meu coração no que de mim abriram o peito, um corte fino de dor e as mãos dedudas e grosseiras do algoz se meteram no meu peito a arrancar o coração. (p. 67).
Conforme Arrigucci, em Rosa, ocorre uma subversão do esquema lingüístico tradicional, numa quebra da harmonia e da regularidade do clássico na linguagem literária. (22) Em Desmundo, esta subversão também se dá e despontam, então, construções frasais não muito usuais, tais como a expressão "todos chegando o chegar" (p. 13). O contexto em que esta expressão é empregada permite uma melhor compreensão da riqueza de seu significado. Oribela utiliza esta expressão para relatar a alegria da chegada da nau portuguesa às terras brasileiras "tocar com os pés ali naquela terra onde nunca entrava o inverno, arribar, arribar, a salvamento, sem se poder a gente nem a cargo, todos chegando o chegar, deleitando, gozo". Na construção da expressão analisada, comparecem dois termos semelhantes: chegando (verbo conjugado no gerúndio) e chegar (substantivo formado por derivação imprópria). A frase poderia ser simplesmente "Todos chegando", mas, ao acrescentar "o chegar", a autora quer intensificar, mostrar a importância desta chegada, aliás, "Chegada" é o nome da primeira parte do romance, parte em que se localiza o fragmento que está sendo analisado. Ao apropriar-se de um verbo para dar a ele o estatuto de nome e, ainda, utilizá-lo para provocar uma redundância, a autora dá maior sentido à chegada dos portugueses à nova terra e, ao mesmo tempo, subverte a linguagem tradicional. Não é uma chegada qualquer, é uma chegada prenhe de esperança e de desejos de felicidade.
Outra construção bastante intrigante pertence ao fragmento localizado na parte dois do romance, intitulada "Terra". As jovens órfãs aguardam seu destino no convento dos padres "esquecidas ali, guardadas, esperando esperandesperando..." A expressão me chama atenção. Exatamente por divergir das construções usuais "esperando esperandesesperando" intensifica a idéia da espera, que é também desespero. A começar pelo uso do gerúndio, tempo verbal que dá idéia de uma ação contínua, a intensificação se faz, também, pela repetição da própria palavra "esperando" três vezes. A elipse do "o" final do segundo emprego da forma "esperando", que se une ao outro "esperando", conota a angústia da espera, monta-se em desespero. É preciso apressar o término da espera, para saber o que as aguarda neste mundo tão novo.

Somando-se às várias construções inusitadas, aparecem palavras pertencentes à língua indígena, na fala de Temericô; à língua espanhola, nas falas da Parva e em construções como "No he temor, piedoso es el Señor" (p. 112) e, ainda, à língua latina mesclada à fala/oração de Francisco de Albuquerque. Esta mescla de línguas diferentes colabora para a criação de uma linguagem que remete às diversidades de línguas presentes no século XVI em terras brasileiras. Remeto-me, neste caso, às idéias de Mikhail Bakhtin, no que diz respeito a uma das características do gênero romanesco: a diversidade social de línguas presentes no romance.(23) Mesmo que o romance de Ana Miranda se enuncie como expressão da língua portuguesa, a língua do colonizador, outras línguas aparecem para representar o plurilingüismo. Surgem expressões em espanhol e latim, linguagens muito próximas da língua portuguesa, mas também expressões em língua indígena, a dizerem como o conflito lingüístico pode ser internalizado no próprio discurso. E, ainda mais, o quanto este confronto pode significar também um conflito social e cultural. Na passagem do romance em que Temericô conta a Oribela sua história antes da chegada dos portugueses, este conflito começa a se anunciar:

"Cantava cantigas, tocava um pífano de graveto, contava de sua povoação onde amava os pais e irmãos, de quem mais nada sabia, que lhe falavam deles as estrelas, fora ela caça o mato e palavras mansas. Era de um gentio muito antigo que fora lançado fora da sua terra das vizinhanças do mar por outro gentio seu contrário que descera do sertão pela fama da fartura da riba do mar e seus pais e avós perderam as terras que tinham senhoreado muito anos e lhe destruíram as aldeias, roças, matando os que lhes faziam rosto, sem perdoar a ninguém, em frontaria com os contrários numa crua guerra, onde se comiam uns aos outros, os que cativavam ficavam escravos dos vencedores, numas batalhas navais, ciladas por entre as ilhas grandes mortandade e se comiam e se faziam escravos, até chegar o tempo dos portugueses. O - z o - a k y p û e r i, um trás outro, trás de um o outro, mokõî, mokô', mokõî. Tinga" (p. 119).
É através do discurso de Oribela que se manifesta o discurso de Temericô e, mesmo o tempo anterior à chegada dos portugueses, é narrado em língua portuguesa, a língua do colonizador. Onde a língua indígena? Está restrita aos termos utilizados nas duas últimas linhas e a linguagem do dominado parece manifestar-se, então, muito mais pela ausência, denúncia da subjugação de uma língua e de um povo.
Um outro fragmento textual em que a língua indígena aparece trata do momento em que Temericô pretende ensinar sua língua a Oribela. As palavras indígenas buscam sempre seu equivalente na língua portuguesa, numa tentativa de aproximação de línguas provenientes de culturas extremamente diversas, como a cultura portuguesa européia e a cultura indígena. Nesta tentativa de aproximação, entretanto, o tempo já mostrou, os resultados são desiguais e conduzem ao quase total desaparecimento da língua indígena como se pode hoje constatar.

Filme:

Ficha Técnica
Título Original: Desmundo
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 100 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2003
Estúdio: Columbia Pictures do Brasil
Distribuição: Columbia Pictures do Brasil
Direção: Alain Fresnot
Roteiro: Sabina Anzuategui e Alain Fresnot, baseado em livro de Ana Miranda
Produção: Van Fresnot
Música: John Neschling
Fotografia: Pedro Farkas
Desenho de Produção: Ivan Teixeira
Direção de Arte: Adrian Cooper e Chico Andrade
Figurino: Marjorie Gueller
Edição: Júnior Carone, Mayalu Oliveira e Alain Fresnot


Elenco
Simone Spoladore (Oribela)
Osmar Prado (Francisco de Albuquerque)
Caco Ciocler (Ximeno Dias)
Berta Zemei (Dona Branca)
Beatriz Segall (Dona Brites)
José Eduardo (Governador)
Débora Olivieri (Maria)
José Rubens Chachá (João Couto)
Cacá Rosset (Afonso Soares D'Aragão)
Giovanna Borghi (Bernardinha)
Laís Marques (Giralda)
Arrigo Barnabé (Músico)


Sinopse
Brasil, por volta de 1570. Chegam ao país algumas órfãs, enviadas pela rainha de Portugal, com o objetivo de desposarem os primeiros colonizadores. Uma delas, Oribela (Simone Spoladore), é uma jovem sensível e religiosa que, após ofender de forma bem grosseira Afonso Soares D'Aragão (Cacá Rosset) se vê obrigada em casar com Francisco de Albuquerque (Osmar Prado), que a leva para seu engenho de açúcar. Oribela pede a Francisco que lhe dê algum tempo, para ela se acostumar com ele e cumprir com suas "obrigações", mas paciência é algo que seu marido não tem e ele praticamente a violenta. Sentindo-se infeliz, ela tenta fugir, pois quer pegar um navio e voltar a Portugal, mas acaba sendo recapturada por Francisco. Como castigo, Oribela fica acorrentada em um pequeno galpão. Deprimida por estar sozinha e ferida, pois seus pés ficaram muito machucados, ela passa os dias chorando e só tem contato com uma índia, que lhe leva comida e a ajuda na recuperação, envolvendo seus pés com plantas medicinais. Quando ela sai do seu cativeiro continua determinada em fugir, até que numa noite ela se disfarça de homem e segue para a vila, pedindo ajuda a Ximeno Dias (Caco Ciocler), um português que também morava na região.



(Apostila 2 de

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A Madona de Cedro - Antonio Callado - resumo

Publicado em 1957, o romance A Madona de Cedro conta a história de Delfino Manoel, pequeno comerciante de objetos feitos em pedra-sabão, dono de uma lojinha em Congonhas do Campo, Minas Gerais. O livro se abre com Delfino recordando acontecimentos de sua vida, dez anos atrás, que ocorreram na Quaresma.

Sendo agora também época da Quaresma, as lembranças voltam com mais força, ocupando boa parte do romance e, conseqüentemente, das atenções do leitor. Ficamos sabendo que Delfino se apaixonara por Marta, moça do Rio de Janeiro, com que efetivamente viria a se casar. Mas o casamento teve um preço, alto para ele e esse é o nó de toda a questão. Para casar-se Delfino precisava de dinheiro, pois o pai da moça só consentiria se o rapaz comprasse uma casa.

A ação se passa em Congonhas do Campo, no Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, paróquia do padre infeliz, durante as comemorações da semana santa.

As personagens do romance são: um grupo de ladrões de imagens sacras do barroco, muito procuradas pelos antiquários; um milionário americano inescrupuloso disposto a ter uma madona de cedro; um padre em crise existencial.

Um amigo de infância, Adriano, oferece a Delfino os meios de resolver o problema do dinheiro, propondo-lhe que roube para seu patrão (o sinistro Juca Vilanova) uma imagem da Virgem, esculpida pelo Aleijadinho e pertencente à Igreja da cidade. Roubando essa imagem e fotografando outra (de Judas) ele poderia ganhar a quantia que necessitava para compra da casa.

Para roubar a madona de cedro, pretendida pelo americano rico, o ladrão espera a igreja ficar vazia, com a saída da procissão, entra e se esconde tomando o lugar da imagem do Senhor Morto que fica embaixo do altar.

Contando com a liturgia da Igreja que manda que o recinto permaneça fechado e às escuras (Ofício das Trevas) na sexta feira, o ladrão se prepara para dormir e sair quando a igreja reabrir.

Com a igreja já fechada, o padre passa pelo altar e vê a imagem do Senhor Morto se mover e acreditando ser um milagre percebe que sua fé não desaparecera.

Dez anos, depois, recordando Delfino o fato, seu drama recomeça. Marta, agora sua mulher e mãe de dois filhos, quer que Delfino volte a se confessar, pois não o faz desde a época do roubo, que naturalmente, ela ignora. Quando Delfim está prestes a se confessar, movido por insistência de Marta e do padre Estevão, ressurge o velho amigo Adriano, com outra proposta de Juca Vilanova: devolver a imagem da Virgem, roubada no passado, e roubar outra, antes apenas fotografada - de Judas.

Depois de muita indecisão, Delfino propõe-se a restituir a imagem da Virgem a seu antigo lugar, mas recusa-se a roubar a outra. Tudo parece correr bem, no momento em que Delfino recoloca a imagem no altar, mas de repente a igreja se fecha e ele se vê encerrado lá dentro, sozinho e com medo de ser surpreendido e descoberto por todos quando abrissem a igreja, na hora da procissão. Para que isso não aconteçam quando abrem a porta, Delfino se oculta no caixão que ali estava, com a estátua de Cristo, pronto para ser carregado pela multidão através das ruas da cidade. Dessa forma, Delfino sai no lugar de Cristo, em procissão.

Quando por fim o reconduzem de volta à igreja e a multidão se retira, sem nada suspeitar, Delfino, julgando-se sozinho, levanta no caixão, matando de susto uma velha beata. O padre Estevão, que também está na igreja, finge não vê-lo. Quando Delfino o procura mais tarde, para confessar finalmente suas culpas e a confusão armada, o padre está em êxtase dizendo que viu um milagre. Pensando que ele se refere à sua aparição na igreja, como um Cristo ressuscitado, Delfino perde a coragem e não confessa. Mas Marta, já informada de tudo, o repreende duramente.

Delfino volta desesperado à procura do padre, que então lhe explica que sempre soubera não ter visto o Cristo ressuscitado. Seu êxtase e sua alegria provinham de outro motivo: uma certeza que finalmente, após anos de hesitação, lhe viera de que deveria partir para a Amazônia, cumprir um velho sonho de ser missionário.

Delfino então confessa-lhe tudo e o padre o perdoa, mas lhe impõe uma penitência: atravessar a cidade com uma enorme cruz às costas. A princípio ele reage, temeroso de cair no ridículo, mas depois resolve submeter-se, expondo-se ao sarcasmo, risadas, ataques e outras reações das pessoas que o vêem chocadas passar com a cruz, considerando aquilo um sacrilégio. No final da longa caminhada, ganhando novas forças pela visão inesperada de Juca Vilanova, que lhe aparece como a própria figura do demônio, Delfino consegue chegar à porta da Igreja, onde o aguardam o padre e Marta, com um sorriso de perdão nos lábios.

Adapt. De Lígia Chiapini Moraes Leite, Lit. Comentada, ed. Abril, 1988.

(Apostila 3 de Contemporânea




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Quarup - Antônio Callado - resumo

Publicado em 1967 e traduzido para várias línguas, Quarup é o livro mais famoso de Antônio Callado. É a história de Nando, um padre que vive em Pernambuco e acalenta a utopia de criar no seio da Amazônia, uma nova terra prometida, um novo paraíso, como teriam sido, em seu tempo, as missões jesuíticas no sul do Brasil.

No tempo em que Nando ainda vive num mosteiro, sem animar-se a sair em busca da sua utopia, conhece Francisca e o noivo desta, Levindo, jovem estudante que trabalha junto às nascentes Ligas Camponesas. Nando passa então a amar platonicamente Francisca e teme não resistir, quando for conviver com os índios, à visão das índias nuas, pecando assim contra o voto de castidade que fez como sacerdote. Winifred, uma amiga inglesa de Nando, resolve tirá-lo do impasse em que se encontra oferecendo-se a ele. Uma vez mantidas relações sexuais com uma mulher, Nando está pronto para enfrentar as outras que aparecerão no seu caminho e pronto para partir.

Antes de chegar ao Xingu passa pelo Rio de Janeiro, onde conhece pessoas ligadas ao Serviço de Proteção aos Índios: Ramiro, o chefe, Vanda, sua sobrinha e secretária, Falua, jornalista e amante de Sônia (por quem Ramiro alimenta grande paixão), Olavo e Lídia, do Partido Comunista, e Fontoura, chefe do Posto Capitão Vasconcelos, no Xingu, e grande amigo dos índios, cuja cultura tenta preservar da destruição causada pela civilização e pelo progresso. Conhecendo-os, Nando conhece também desde jovens mulheres como Vanda até as sensações e "viagens" provocadas pelo cheiro de éter, nas sessões de lança-perfume de que participa com Ramiro e os outros. Fontoura, entretanto, revela-lhe uma dura realidade: a triste situação dos índios, sua pobreza, doenças, sua condição de condenados pelo Brasil "civilizado" que investe sem tréguas, alterando suas vidas, roubando-lhes as terras e a tranqüilidade.

Do Rio, Nando parte para o Xingu. A época é 1954, em plena fase do atentado contra Lacerda e dos últimos momentos do governo de Getúlio Vargas. Em Fontoura e em todos no posto do SPI, uma grande expectativa: a presença de Getúlio, que virá para inaugurar o Parque Nacional do Xingu, assegurando a preservação das terras indígenas. Enquanto esperam, ajudam os índios a preparar sua grande festa aos mortos: o Quarup, que, entre outras cerimônias ritualísticas, é constituído de uma grande comilança. Entre lances de caça, pecas, banhos de índios nus e perseguições de Ramiro a Sõnia, chega ao Xingu pelo rádio a notícia do suicídio de Getúlio, e morre em Fontoura a esperança de ver o posto transformado em parque. Cansada das encrencas dos homens brancos, Sônia foge com Anta, um índio bonito, forte e preguiçoso, para desespero de Ramiro e Falua.

Na parte seguinte do romance, a história tem continuidade ainda no Xingu, mas muitos anos depois, quando todos se reencontram, menos Sõnia, numa expedição ao centro geográfico do Brasil. Participa também Francisca, que voltara da Europa e perdera o noivo Levindo, morto pela polícia. Reacende-se então o amor de Nando, que se descobre correspondido por Francisca. Dessa vez as coisas não ficam no amor platônico, mas chegam ao contato sexual, no centro da floresta virgem, em meio a orquídeas coloridas.

Cada uma com suas obsessões, prosseguem todos na expedição. Ramiro, por exemplo, tem sempre a esperança de encontrar Sônia, vivendo em alguma tribo. Depois de vários riscos, fome e extravios no meio da floresta, enfrentando tribos ferozes ou doentes e famintas, o grupo chega ao centro geográfico, onde é fincado um marco. Autodestruído pela bebida, pois perdera as esperanças de salvar os índios, Fontoura morre em pleno centro geográfico, com o rosto sobre o grande formigueiro que corrói o Brasil, desde o seu coração.

Francisca leva terra do centro geográfico para Pernambuco, cumprindo uma promessa feita a Levindo, antes da morte deste. Nando renunciara ao sacerdócio e volta a Pernambuco com Franscisca, que passa a trabalhar na alfabetização de camponeses. Antes disso, os dois desfrutam uma espécie de lua-de-mel no Rio de Janeiro. De volta a Recife, porém, Francisca resolver afastar-se, sacrificando-se pela memória de Levindo. Nessa época, a luta dos camponeses ganha força, sob o governo de Miguel Arraes, ao qual entretanto se opõe Januário, o líder do movimento. Nando resolve ajudar no trabalho das ligas. Com o golpe militar de 31 de março de 1964, Goulart é deposto e, em Pernambuco, Arraes é afastado. Várias prisões são feitas, os líderes são perseguidos. Nando vai parar na cadeia, onde sofre interrogatórios e torturas mais morais do que físicas, especialmente se confrontadas com o sofrimento dos camponeses, antigos companheiros de luta. Quando o soltam, Francisca havia partido novamente para a Europa. Nando recolhe-se então à sua casa da praia (herança de seus pais) e se entrega a uma espécie de "apostolado do amor". Tendo finalmente aprendido com Francisca a arte de amar, de maneira a dar prazer à mulher amada, ele agora distribui amor, fazendo sentirem-se belas as mulheres mais feias e ensinando as técnicas amorosas a vários "discípulos" seus. São pescadores que resolvem segui-lo nessa "nova cruzada", para grande espanto e escândalo de seus antigo companheiros de luta política, em vias de organizarem novamente o movimento revolucionário, desta vez no sertão.

No décimo aniversário da morte de Levindo, Nando resolve comemorar a data com uma espécie de réplica do Quarup, um banquete com todos os amigos, pescadores, prostitutas e antigos companheiros de ligas. A cena do grande jantar (espécie de ritual em que se devora antropofagicamente a figura de Levindo) é simultânea à grande Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Os participantes da marcha, juntamente com a policia, invadem a festa: muitos são presos, alguns fogem e Nando é espancado quase até a morte.

Socorrido por uma prostituta amiga e por Manuel Tropeiro, antigo companheiro de luta, Nando é levado para a casa do padre Hosana, onde se recupera e decide partir com Manuel Tropeiro para o sertão, voltar às lutas. Antes, porém, passa por sua casa, onde encontras cartas de Francisca, e a polícia que o espreita. Conseguindo matar os guardas, despede-se de Recife e da própria Francisca, que agora não é mais a mulher de carne e osso. Ela é o "centro de Francisca", explica Nando a Manuel e ao leitor. Como precisa mudar de nome, adota o de Levindo e tudo indico que a história se repetirá. Entretanto, o romance termina numa nota alta de otimismo no futuro que aguarda os dois heróis, com Nando vendo "o fio fagulhar ligeiro entre as patas do cavalo como uma serpente de ouro em relva escura".

Adapt. De Lígia Chiapini Moraes Leite, Lit. Comentada, Abril Cultural, 1988.





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O Santo e a Porca - Ariano Suassuna - resumo

Resumo do livro

Eudoro Vicente manda uma carta a Eurico dizendo que lhe pedirá o seu bem mais precioso.
Na casa do comerciante, moram a filha Margarida, a irmã de Eurico, Benona, a empregada Caroba e, já há algum tempo, Dodó, filho do rico fazendeiro Eudoro. Dodó vive disfarçado, finge-se de torto, deformado e sovina. Assim conquistou Eurico, que lhe atribuiu a função de de guardião da filha, quem Dodó namora às escondidas.

O desenrolar dos fatos se desencadeira com a carta enviada por Pinhão, empregado de Eudoro e noive de Caroba, empregada de Euricão. Eudoro informa que fará uma visita para pedir esse bem tão precioso a Eurico, que fica apreensivo, pois pensa que lhe pedirá dinheiro emprestado. Eurico insiste em de dizer pobre, repetindo as frases: "Ai a crise, ai a carestia".

Na sala da casa de Eurico, onde as cenas se desenrolam, há uma estátua de Santo Antônio, de quem Eurico é devoto, e uma antiga porca de madeira, a quem ele dedica especial atenção e que logo o público saberá que esconde maços de dinheiro.

Caroba, muito esperta, percebe que Eudoro pedirá margarida em casamento, é assim que ela entende o bem mais precioso de Eurico que o fazendeiro, pai de Dodó, quer saber. Então ela arma um circo para alcançar alguns objetivos: ganhar algum dinheiro, pois quer casar com Pinhão, casar Dodó e Margarida além de Eudoro e Benona, que já tinham sido noivos há muitos anos. Eudoro, viúvo, querias Margarida, mocinha; Benona, solteirona, queria Eudoro, fazendeiro; Margarida queria Dodó, pois o amava; Caroba e Pinhão se queriam; Euricão queria a porca, ou será que queria a proteção de Santo Antônio para a porca?
Caroba negocia uma comissão com Eurico para ajudá-lo a tirar vinte contos de Eudoro Vicente, antes que este peça dinheiro a Eurico. Acertam-se. Aí Caroba convence Benona que Eudoro virá pedi-la em casamento e se dispõe a ajudá-la. São então tramas de Caroba: fazer Eurico pedir vinte contos a Eudoro para o casamento (na realidade, para um jantar); convencer Benona de que Eudoro viria pedi-la em casamento; fazer Eudoro acreditar que pede Margarida; fazer Eurico crer que Eudoro pede Benona; armar um encontro entre Eudoro e Margarida na penumbra; ficar no lugar de Margarida, com o vestido dela.
Conseqüências das armações de Caroba: Dodó sente ciúme de Margarida, pois pensa que ela irá encontrar-se com Eudoro; Pinhão sente ciúme de Caroba quando sabe que ela irá em lugar de Margarida; Euricão desconfia que querem roubar sua porca recheada, pois ouve falarem em devorar porca e pensa ser a sua, quando é a do jantar que se encomendou para receber Eudoro; Pinhão desconfia de Eurico e o observa, porque este age estranhamente.

Na hora do encontro entre Margarida e Eudoro, Caroba tranca Margarida no quarto, manda Benona permanecer também no seu e vai, vestida de Margarida, receber Eudoro. Dodó vê Caroba e pensa ver Margarida, pois está com o vestido dela. Para não ter que se explicar, Caroba o empurra e tranca no quarto com Margarida. Caroba então veste roupa de Benona e esta a de Margarida. Caroba então recebe Eudoro vestida de Benona. Ele é enganado: pensa estar conversando com a antiga noiva, que se insinua a ele, na penumbra não percebe que é Caroba. Ela o leva ao quarto de Benona e o tranca com a ex-noiva, por quem agora já está novamente interessado.

Pinhão ao sair do esconderijo onde estivera observando a cena, vê Caroba e pensa ser Benona e tenta seduzí-la. Ela reage e bate em Pinhão e o manda esperar por Caroba, que tira as roupas de Benona e diz que acompanhou toda a cena, bate outra vez em Pinhão, mas na confusão começam a se beijar. Aí destrancam as portas dos quartos de Margarida e Dodó, Benona e Eudoro, e entram em outro.
Dodó e Margarida saem do quarto e pensam ter sido surpreendidos por Eurico, que entra em casa dizendo estar perdido.Na verdade Eurico havia saído para enterrar sua porca recheada dentro do cemitério. A conversa entre Eurico e Dodó é engraçada, pois ambos se enganam: Dodó fala de Margarida, enquanto Eurico fala da porca que desapareceu. Eurico pensa que o rapaz lhe roubou a porca, já que este o traiu. No desespero, Eurico finalmente revela que a porca estava cheia de dinheiro guardado há tantos anos.

Com os gritos da discussão, Pinhão e Caroba saem do quarto. Depois Eudoro e Benona do seu. A cena é divertida: são três casais que de repente estão juntos e felizes ante Euricão lamentando a perda da porca. Graças a Caroba os casais se entendem sem Euricão nem Eudoro perceberem o engano de que foram vitimas. Margarida desconfiou de Pinhão e afirmou que ele pegara a porca. Eurico lhe salta no pescoço e Pinhão acaba contando, mas exige vinte contos para dizer onde escondeu a porca, os vinte contos que Eurico conseguiu emprestados de Eudoro com a ajuda de Caroba. Com o vale do dinheiro na mão, mostra a porca que estava na casa mesmo.

Então, Eudoro faz Eurico perceber que aquele dinheiro era velho e havia perdido o valor. Eurico se desespera. Tentam dissuadi-lo da importância do dinheiro, mas ele manda todos embora e fica só, com a porca e o Santo, tentando entender o que aconteceu, qual o sentido de tudo que houvera.

Resumo adapt. Do Site http://osantoeaporca.vilabol.uol.com.br/

Características da Obra de Sussuna:

Quando começamos a estudar a produção dos autos de Ariano Suassuna, não podemos dissociar esta análise das produções do escritor Gil Vicente. Ambos possuem semelhanças concretas, principalmente, com relação à:

1.construção das personagens - cada personagem representa uma classe social - que é criticada - e, por vezes, possui um nome que o identifica a função que exerce na comunidade onde vive, ou apelidos cômicos, como acontece com João Grilo, Chico, a mulher do padeiro, todos do Auto da Compadecida; Gil Vicente identifica seus personagens como mercadores, padres, pobres, etc., sempre numa alusão às classes da hierarquização social da Era Humanista ( marca o fim da Idade Média );

2.religiosidade - ambos os autores reforçam a manipulação que o clero exerce sobre o povo mais simples, compactuando com os interesses econômicos representados por coronéis, bispos (Ariano Suassuna) e por nobres, ricos (Gil Vicente); as figuras de diabos, anjos, Jesus e Nossa Senhora estarão presentes nas obras dos escritores, com a devida evolução de linguagem no caso dos textos de Suassuna - dentre essas a figura que rouba a cena é a do diabo pela sua força expressiva e sua posição de juiz das almas já que enumera as falcatruas dos outros personagens (efetuando, inclusive, uma rememoração da história que está sendo contada).

3.crítica social - os períodos históricos em que os autos são escritos apresentam características semelhantes: grande desnivelamento social, fome, desmandos de poderosos e, em se tratando das obras de Suassuna, há o agravante dos fatores naturais que tornam a vida do sertanejo muito difícil.

4.ironia - é a grande marca que identifica os autores e é o grande recurso utilizado para elaborar a crítica. Em Gil Vicente, há obras cuja ironia crítica serviu de modelo para as gerações seguintes, como em Auto da Lusitânia (e os personagens "Todo o mundo" e "Ninguém"). E em Ariano Suassuna, o mesmo será comprovado no reconhecido Auto da compadecida, mas também em O santo e a porca e em Farsa da boa preguiça.

Comparação com Plauto

Na apresentação de sua peça O Santo e a Porca (1957), Ariano Suassuna a sub-intitula de uma "Imitação Nordestina de Plauto", referindo-se à Aululária, do autor latino.

A palavra imitação, usada por Suassuna, nos remete ao conceito aristotélico de mímesis, cujo significado não representa apenas uma repetição à semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade, mais precisamente de uma revelação da essência dessa realidade.

Essa essência está representada, nessas duas obras, pela avareza humana.

Neste trabalho, pretendemos uma abordagem desse tema, sob o aspecto de como o objeto depositário da avareza foi tratado pelos dois autores: a panela, em Aululária; a porca, na comédia de Suassuna.

Optamos pelo enfoque simbólico dessa proposta, visto que a obra de Suassuna, que se declara uma imitação da de Plauto, mantém uma distância de mais de dois milênios da original e está contextualizada, tanto geográfica como culturalmente, numa distância não menor do que a temporal.

Nesse paralelo, destacamos a trajetória dos dois objetos que constituem o eixo norteador de toda a ação das duas peças.

Na comédia do autor latino (Plauto Titus Maccus - 250?-184? a.C.), de influência grega e estilo tipicamente romano, o velho avarento Euclião descobre na lareira de sua casa uma panela cheia de moedas de ouro deixada por seu avô. O casamento de sua filha com um velho rico é o motivo que origina toda a ação da peça. Os recursos utilizados por Plauto dão à comédia um ritmo ágil e hilariante, cheio de ambigüidades e desencontros. "O diálogo, como em todas as suas peças, lembra a fala rápida da comédia musical americana (e na verdade era representada com acompanhamento musical)" (GASSNER, 1974, p.112).

Ariano Suassuna retoma o tema e situa-o no Nordeste. Seu protagonista chama-se Euricão Árabe.

Na contracapa do livro de Suassuna (1984), Manuel Bandeira comenta as duas obras:

Plauto é o mais linearmente clássico, na sua pintura de um caráter de avarento; Suassuna é o mais complicado, não só pela maior abundância de incidentes na efabulação, como pela evidente intenção de moralidade filosófica; (...) e os elementos nordestinos da porca e seu protetor, o Santo (Santo Antônio) são os grandes achados de Suassuna, e o que confere o timbre de originalidade na volta ao velho tema.

Na seqüência das duas narrativas, tanto a panela quanto a porca acompanham todo o ciclo de transformação interior dos respectivos protagonistas, o que nos induz a uma interpretação simbólica desse trajeto.

Tomamos como símbolos, na Aululária ou O Vaso de Ouro, o Deus Lar, a lareira, o templo da Fidelidade, o bosque de Silvano e o objeto representativo da avareza, a panela (vaso). Em O Santo e a Porca, temos como correspondentes o Santo Antônio, a sala, o porão, o cemitério e o objeto da avareza, a porca de madeira.

Considerando os costumes e as crenças inerentes às duas épocas retratadas pelos autores, cabe primeiramente um destaque à parte mística e mítica das duas peças.

Para os romanos, os Lares eram deuses domésticos, protetores de cada família e de cada casa, cultuados no lararium, uma espécie de oratório. Tinham um templo, no Campo de Marte, onde eram feitos os sacrifícios e as oferendas. Interessante destacar que, quando se tratava de sacrifício público, a vítima ofertada era o porco (SPALDING,1982).

Euclião, até o momento da perda de sua panela com o tesouro, invoca o deus Hércules, identificado com o deus grego Héracles, símbolo da força combativa. Os romanos também o tinham como divindade protetora dos bens materiais e dos bons lucros nos negócios.

Após a perda de seu tesouro, Euclião invoca Júpiter, que simboliza tanto a expansão material como o enriquecimento vital.

Santo Antônio, por sua vez, é um santo de grande devoção popular nos países de origem latina. No Nordeste, esse santo é grandemente festejado durante as chamadas festas juninas. É tido, também, como "santo casamenteiro".

Euricão Árabe, o velho avarento de O Santo e a Porca, invoca o santo, questiona-o, do início ao fim de sua aventura. Embora, em alguns momentos, oscile entre o santo e a porca, mantém-se fiel ao santo de sua devoção. Esta oscilação poderia representar o movimento entre espiritualidade e materialidade inerentes ao ser humano.

Euclião, no entanto, é a imagem da personificação da avareza. Apela para o deus ou divindade que melhor atender à necessidade de determinado momento.

Nesse contexto de crenças e costumes, a avareza das duas personagens está representada em dois objetos: a panela (vaso) com o ouro de Euclião, escondida na lareira, e a "porca de madeira, velha e feia (...) com pacotes de dinheiro" (SUASSUNA, 1984, p.13), depositada na sala de Euricão sob a imagem de Santo Antônio.

A lareira expressa o simbolismo da vida em comum, do centro da casa. Seu calor e sua luz aproximam as pessoas, é o centro da vida. Assim como a sala, tem o significado de "um santuário, no qual se pede a proteção de Deus, celebra-se o seu culto e guardam-se as imagens sagradas" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.536).

A panela e a porca de madeira eram guardadas, respectivamente, nesses dois ambientes domésticos - lareira e sala -; portanto, equivalentes.

O vaso com as moedas de ouro (a panela de Euclião) representa "um reservatório de vida (...), o segredo da vida espiritual, o símbolo de uma força secreta". Se o vaso for "aberto em cima, indica uma receptividade às influências celestes" (CHEVALIER, GHEERBRANT, 1994, p.932).

Por sua vez, a moeda traz uma imagem ambivalente: a de valor e a de alteração da verdade.

A porca, juntamente com o porco, são considerados símbolos universais. Este representa a impureza, a voracidade, as tendências obscuras, enquanto que a porca, divinizada desde os egípcios, simboliza a abundância e o princípio feminino de reprodução, de criação da vida.

Todo o sentido da vida de Euclião e da de Euricão, simbolizado na panela guardada na lareira e na porca de madeira guardada na sala ao pé do santo, foi ameaçado por um acontecimento inesperado: o casamento das filhas. É o início do processo de vivência da perda:

Euricão: Ai minha porquinha adorada! (...) querem levar meu sangue, minha carne meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranqüilidade de minhas noites, a depositária de meu amor! (SUASSUNA, 1984, p.33-34)

Diante da ameaça, Euclião esconde seu tesouro no templo da Fidelidade, e Euricão, numa grande cova ("socavão"), no porão de sua casa.

No plano simbólico, o templo e a cova sintetizam o lugar dos segredos, a busca ao desconhecido. Para os romanos, em particular, o templo era de grande importância. Lá, eles veneravam seus deuses, acorriam para pedir graças e proteção, em troca de sacrifícios e oferendas Era, pois, o reflexo do mundo divino e de seus mistérios.

Impulsionados pela ameaça da perda de seus bens, cultivados durante toda a vida, Euclião e Euricão buscam novo esconderijo para seus tesouros. O primeiro esconde-o no bosque de Silvano; o segundo, no cemitério da igreja.

Silvano, para os romanos, era um deus campestre de significação ambígua: protegia a agricultura e presidia às florestas (silva, "floresta") e, ao mesmo tempo, era uma "espécie de bicho-papão" que causava medo às crianças.

Além de simbolizar o inconsciente, a floresta carrega o significado do vínculo que as árvores mantêm entre a terra (raízes) e o céu (copa).

Euricão esconde sua porca no cemitério da igreja, num socavão entre o túmulo de sua mulher e o muro. O socavão evoca o simbolismo da abertura para o desconhecido, no sentido do imanente ao transcendente; o túmulo, associado à morte, é o lugar da metamorfose, do renascimento, ou das trevas; o muro, também de significado ambíguo, simboliza a separação e a defesa.

Podemos sintetizar essa etapa da trajetória dos avarentos como de conflito existencial diante da perda, em direção a uma nova visão de mundo e renovação de valores.

Euclião agradece aos deuses, despede-se alegremente de sua panela e a dá de presente aos noivos.

Euricão, diante da constatação da realidade (seu dinheiro não tinha mais nenhum valor), sente-se traído pela vida. Melancolicamente, reconhece: "Um golpe do acaso abriu meus olhos (...). Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta?" (SUASSUNA, 1984, p.82).

Na comparação simbólica das duas comédias, vimos que os elementos representativos da avareza (a panela e a porca) podem ser associados às etapas marcantes da narrativa.

O primeiro momento (a panela e a porca; o Deus Lar e Santo Antônio) podemos caracterizar como o do potencial latente e inerente à natureza humana: o material e o espiritual. O poder de acumulação e a visão desses valores são representados, em Euclião e Euricão, pela avareza.

O segundo momento, podemos caracterizar como o do conflito e do início da transformação desses valores (o templo da Fidelidade e o porão): a busca ao desconhecido, ou seja, um momento de interiorização e reflexão das personagens, sobre os valores até então tidos como sólidos e permanentes.

O terceiro momento, finalmente, seria o da constatação da perda. E, aqui, haveria duas possibilidades de escolha: a da evolução ou a da involução, simbolizada pela ambigüidade do "bosque de Silvano" e a do "cemitério da igreja".

A escolha de Euclião e de Euricão foi a da transformação no sentido evolutivo e de discernimento de que os bens materiais são um meio e não um fim. Diríamos que foi uma escolha do caminho ascendente entre a terra e o céu, entre o transitório e o permanente.

A avareza dos protagonistas nos remete, em contrapartida, a duas outras personagens, também idosas (Megadoro, na Aululária, e Eudoro, em O Santo e a Porca), que não apresentam tal característica, sendo, portanto, opostas a Euclião e Euricão.

Concluindo, lembramos as palavras de Cícero sobre os defeitos comumente atribuídos à velhice. Diz o orador latino que: são defeitos dos costumes, não da velhice. (...) Não compreendo o que a avareza do ancião quer para si mesmo. Há algo de mais absurdo que aumentar as provisões de viagem à medida que menos caminho resta? (CÍCERO, 1980, p.81).

Adaptado de Artigo não assinado encontrado no site Feranet (http://www.feranet21.com.br/livros/resumos_ordem/o_santo_e_a_porca.htm)

(Apostila 6 de Contemporânea da Lit. Brasileira)


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ARIANO SUASSUNA - O AUTO DA COMPADECIDA - resumo e análise

O AUTO DA COMPADECIDA E O ESTILO DE ÉPOCA

O teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural, diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Uma peça teatral, portanto, não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema, esse últimos indicativos de outra forma cultural, a Literatura.
Em linhas gerais, o teatro recebe um impacto muito maior dos condicionamentos de um dado momento histórico, do que, por outro lado, recebe a literatura. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do assunto, nas técnicas propriamente teatrais (cenarização, cenografia, ritmo, iluminação, etc.). Por outro lado, uma peça teatral pode descobrir motivos de criação em outras modalidades essas que podem ou não interessar à Literatura.

Uma tragédia de Ésquilo, concebida nos elementos estruturais da cultura grega clássica, pode adquirir uma roupagem interpretativa moderna, e, como representação de um texto, ser perfeitamente assimilável pelo público contemporâneo, tornando-se com isso uma peça moderna.

O grande dramaturgo brasileiro, Guilherme de Figueiredo, compôs uma série de textos do teatro moderno brasileiro, que consistem na imposição de uma nova "roupagem" a determinados temas da cultura grega clássica.

Em resumo, quando tentamos verificar a que estilo de época se liga um texto teatral, deveremos fazê-lo, não em função de critérios válidos para a Literatura, mas em função de critérios possíveis para a história do teatro.

Nesse sentido, verificamos que Auto da Compadecida apresenta os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num determinado estilo de época da evolução cultural brasileira:
1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso. Assim o entendeu Paula Vicente, filha de Gil Vicente, quando publicou os textos de seu pai, no século XVI, ordenando-os principalmente em termos de autos e farsas.

Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto, em plano Quinhentismo (estilo de época).

2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dor a romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou, pelo menos, organiza um acervo regional com vistas a uma comunicação estética mais trabalhada.
3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificarmos que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse es tilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Um modelo característico dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), entre outros.
A ESTRUTURA DO AUTO DA COMPADECIDA

A - Personagens. A peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.

PRINCIPAL: João Grilo

OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.

LIGAÇÃO: Palhaço

As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque ela assumem uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.

· João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de tosa as situações da peça.
· As demais personagens compõem o quadro de cada situação.

· O Palhaço, representando o Autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.

Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as características de cada uma delas.

a) JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.

"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" (p.24).

Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:

1ª) a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: "Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era " Que maluquice, que besteira!", agora "Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!" (p.33).

2ª) a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".(p.40). "Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"(p.41).

3ª) o testamento do cachorro. JOÃO GRILO: "Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" (p.63-64).

4ª) o gato que "descome dinheiro". JOÃO GRILO: "Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, eu descome dinheiro" (p.38). "Então tiro. (Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões). Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presente"(p.96).
5ª) a gaita que fecha o corpo e ressuscita. JOÃO GRILO: "Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer" (p.122).

6ª) a "visita" ao Padre Cícero. JOÃO GRILO: "Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta" (p.127).

Essa situação decorre da anterior, mas pode ser considerada com o independente.
7ª) o julgamento pelo Diabo (o Encourado). JOÃO GRILO: "Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"(p.144).

8ª) o apelo à misericórdia (À Virgem Maria). JOÃO GRILO: "Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?" (p.169).

Observemos agora a distribuição das personagens nas situações acima definidas, situações essas todas elas deflagradas por João Grilo, como já foi observado:

SITUAÇÃO/ PERSONAGENS/ CONTEÚDO DA SITUAÇÃO

1ª João Grilo Chicó Padre João: a bênção do cachorro da mulher do padeiro.Expediente de João Grilo: o cachorro pertence ao Major Antônio Morais.

2ª João Grilo Chicó Antônio Morais Padre: chega o Major Antônio Morais.Expediente de João Grilo: o Padre João está maluco, benze a todos e chama todo mundo de cachorro.

3ª João Grilo Padre MulherPadeiro Chicó Sacristão Bispo: o testamento do cachorro morto.Expediente de João Grilo: o cachorro morto, encomendado em latim e tudo mais, deixa no seu testamento dinheiro para o Sacristão, para o Padre e para o Bispo.Fonte do dinheiro: o Padeiro e sua mulher.

4ª João Grilo Chicó Mulher: a mulher do Padeiro lamenta a perda de seu cachorro.Expediente de João Grilo: arranja-lhe um gato que descome dinheiro. Vende-o e afaz seu lucro.

5ª João Grilo Chicó Bispo Padre Padeiro Frade Sacristão Mulher Severino (do Aracaju) Cangaceiro: o assalto do cangaceiro Severino do Aracaju.Expediente de João Grilo: a gaita que fecha o corpo e ressuscita. A bexiga cheia de sangue.Evento especial: todas as personagens morrem, inclusive João Grilo.

Salva-se Chico


6ª Palhaço João Grilo Chicó Todas as demais personagens Demônio O Encourado Manuel: ressurreição no picadeiro do circo. O Julgamento pelo Demônio, pelo Encourado e por Manuel (Cristo).Expediente de João Grilo: forçar o julgamento, ouvindo os pecadores.

7ª Todas as personagens A Compadecida: condenação dos pecadores, Expediente de João Grilo: apelo à misericórdia da Virgem Maria.

Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as seqüências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural.
Que é João Grilo?

· João Grilo é uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo.
· Habituado a sobreviver e a viver a partir e expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.

· Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.

b) CHICÓ. Companheiro constante de João Grilo e, especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal.

c) PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO. Essas personagens, embora de atuação diversa, estão concentradas em torno de simonia e da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro.
d) ANTÔNIO MORAIS. É a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente miúda.

e) PADEIRO e sua MULHER. Encarnam, um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério.
f) SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO. Representam a crueldade sádica, e desempenham um papel importante na seqüência de número cinco, porque nessa seqüência matam e são mortos. Com isso propicia-se a ressurreição e o julgamento.

g) O ENCOURADO e o DEMÔNIO. Julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel (O Cristo).

h) MANUEL. É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.

i) A COMPADECIDA. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João Grilo.

B- Estrato metafísico. Pela atuação das personagens, pelo sentido global que encima a peça, percebemos claramente que nela existe uma proposição metafísica, vinculada à Igreja Católica e à idéia da salvação.
Ao lado da significação global do texto, como estrutura, o Palhaço define essa proposição claramente.
O Palhaço realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à parábase da comédia clássica - trecho fora do enredo dramático em que as idéias e as intenções ficam claramente expressas:

PALHAÇO: "Ao escreve esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo sofre, é um povo e tem direito a certas intimidades" (p.23-24).

"/.../ Espero que todos os presente aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes" (p.137).
A intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.

NOTA: Adaptado da análise do livro Vestibular-76 (1976), da Editora O Lutador-MG, edição dirigida aos exames vestibulares da UFMG.

O Filme:

Título Original: O Auto da Compadecida

Gênero: Comédia

Origem/Ano: BRA/1999

Duração: 104 min

Direção: Guel Arraes / Mauro Mendonça Filho

Elenco:

Fernanda Montenegro...

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