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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Poesia marginal



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Bráulio Tavares

ENTREVISTA COM BRAULIO TAVARES (do Site BalacoBaco -http://www.geocities.com/SoHo/Lofts/1418/braulio.htm )

Nascido em Campina Grande (PB) em 1950. Família paterna cheia de jornalistas e poetas. Uma das minhas irmãs, Clotilde, também escreve. Estudei cinema em Belo Horizonte (1970-71), ciências sociais em Campina Grande (1973-76). Toquei em banda de rock, fui professor do 2o. grau, fui repórter futebolístico e crítico de cinema em jornais, fui ator e escrevi peças de teatro-de rua, ajudei a organizar festivais de repentistas, traduzi muitos livros, escrevi roteiros para TV, fui puxador-de-samba em blocos de carnaval cariocas, pesquisei literatura fantástica brasileira e estrangeira, fiz shows voz-e-violão Brasil afora durante anos, publiquei mais de 10 livros, tenho mais de 40 músicas gravadas, 5 peças montadas profissionalmente. Tenho uma filha de 21 anos, Maria Nayara, e um filho de 6, Gabriel. Estou casado com Emilia Veras há 18 anos. Morei em BH e Salvador, e estou no Rio desde 1982. Torço pelo Treze de Campina Grande, Sport do Recife, Atlético Mineiro e Flamengo do Rio.

Balacobaco - Quando foi inoculado pelo vírus da literatura? Como eram estes tempos? Quais as sensações que tinha?

Braulio Tavares - Cresci numa familia onde se lia muito. Ler, lá em casa, era algo como respirar. Ainda hoje fico surpreso quando entro na casa de alguém e verifico que não há uma estante de livros. Uma casa sem livros é como um carro sem motor. A sensação-de-realidade que eu experimentava ao leré mais forte do que qualquer droga, e a sinto inteiramente, ainda hoje. Ler é como um hipnotismo, um fenômeno mediúnico, um transporte do corpo astral (para quem acredita nisto). Quando leio uma coisa, eu *vou* para lá.

B - Quais escritores influenciaram? Quais o influenciam hoje? Como vai a poesia brasileira?

BT - Não gosto de admitir influências, mas não é por orgulho, e sim por bom senso. Qualquer sujeitinho pretensioso sai por aí dizendo que é influenciado por Nabokov, Joyce, Balzac... No meu caso, dependendo do que pretendo escrever, resolvo imitar A, B ou C, cujo estilo ou "voz narrativa" me parece adequado para o que pretendo colocar no papel. Mas não é influência, é apropriação técnica. A poesia brasileira é uma espécie de floresta tropical, onde dá de tudo: plantas, insetos, bichos... Sinal de saúde verbal/cultural.

B - Qual o poema mais personifica a sua obra?

BT - Nenhum, porque a principal característica de minha obra é fazer poemas (contos, etc.) que pareçam ter sido escritos por pessoas completamente diferentes. Portanto, nenhum deles pode exprimir isto isoladamente.

B - Como vê antologias dos "vinte mais", "dos com mais futuro" etc?

BT - Qualquer publicação é boa. Os critérios não importam. Penso em editar antologias tipo "Assim escrevem os poetas com menos de 1,80 m de altura", ou "Antologia dos Capricornianos", ou "Os melhores 20 Poemas que começam com a letra J". Contando que se publiquem bons poemas, tá legal.

B - Quantos livros publicou? Fale sobre eles?

BT - Alguns livros de poemas com coisas magníficas e coisas que me fazem morrer de vergonha, mas que não retiraria numa reedição, porque sempre posso mudar de idéia. Um romance arrancado a fórceps durante quase 4 anos, que ficou totalmente diferente do plano inicial, mas que toca alguns temas profundamente importantes para mim. Ensaios sobre ficção científica, que serão muito úteis aos pesquisadores do próximo século.Folhetos de cordel com letras de canções, que hoje revejo com saudade. Um livro de humor que vendeu mais de 30 mil e me desobrigou de fazer sucesso novamente. E dois

livros de contos fantásticos que talvez sejam o melhor da minha produção.

B - Como utiliza a ficção científica na sua literatura?

BT - Como pano-de-fundo para contar histórias meio grotescas, para experimentar vozes narrativas, ou para bordar

estilisticamente temas já pisado e repisados. Posso afirmar que nenhuma das minhas histórias de FC tem uma só idéia original. Tudo é material reciclado, e digo isso com vaidade. "Ser original", "ter sido o único a ter feito algo" é a maior bobagem em literatura.

B - Quais os paralelismos entre Drummond e Augusto dos Anjos?

BT - A visão desencantada do Universo e do destino do homem dentro dele. No mais, são diferentíssimos.

B - Como vê a internet como meio de veiculação de cultura?

BT - Algo comparável ao que foi o rádio como meio de veiculação da música.

B - Qual o papel do escritor na sociedade?

BT - O meu é A-4, mas tem gente que prefere tamanho ofício.

CAIS DO CORPO
eles
que têm
uma mulher
em cada porto

elas
que têm
um homem
em cada navio

(quente é o cais do corpo,
quando o mar é frio)

OFÍCIO POÉTICO

escreva no corpo dela
um poema
com seu pau.

faça um poema
bem longo.

goze no ponto final.

POEMA DA BUCETA CABELUDA

A buceta de minha amada
tem pelos barrocos,
lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono das secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo baiano.

A buceta de minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do universo.

A buceta de minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambda.

A buceta de minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

A buceta de minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme ao meu ouvido
quando a gente fode.

ESCRITO NO ESCURO

Entre as negras paredes desta furna
eu incrusto meu ser. Aqui sucumbo.
Minhas asas, meus olhos são de chumbo,
o meu corpo insensível é uma urna
que encarcera a tarântula noturna
do pavor ante o próximo minuto;
um negror de pupila alastra o luto
sobre as faces imóveis que me escutam
(sobre os bichos, que, ávidos, disputam
meus despojos de espectro prostituto).

Sempre isto, o Real: sempre o negrume
de uma noite implacável e absurda
onde a fauna das víboras chafurda:
esse pântano mau de fel e estrume.
Sempre isto, o que sonho: o ardente gume
das visões imbecis que arquiteturo,
pão de cinzas, trepada atrás do muro,
cem fogueiras de sal no corpo inútil,
gargalhada de onça, voz de bútio
que prediz o terror do meu futuro.

Meus delírios que as frases não capturam.
Meus lacraus cravejados-me na nuca.
Minha mente-armadilha, uma cumbuca
onde aranhas ferozes retorturam
símias mãos que se arriscam, se aventuram
a colher os seus grãos ou suas frutas.
Vê, Razão: peias rotas e corrutas
mal sustentam o monstro, ele é só músculos,
os seus berros abalam os crepúsculos
e despertam morcegos lá nas grutas.
(Eu sofreio-te as rédeas) Ah, Loucura,
tu não vês que sou eu que te conduzo?
(Mas não sou, sei que não, estou confuso,
sei que é ela quem manda.) Esta procura
de desvãos vulneráveis na estrutura
do meu ser é em vão. (Não é: me oculto
procurando fugir a cada vulto
que a esconde.) Desiste: não me curvo.
(Curvarei, sei que um dia, e estarei turvo,
ressurreto, remorto e ressepulto).

O CASO DOS DEZ NEGRINHOS
(romance policial brasileiro)

Dez negrinhos numa cela e um deles não mais se move.
Manhã cedinho eles contam: e só tem nove.

Nove negrinhos fugindo; um deles, o mais afoito
dançou -- os guardas pegaram -- fugiram oito.

Oito negrinhos trabalham de revólver e canivete;
roupa cáqui vem chegando; correram sete.

Sete negrinhos seguiam pela rua de vocês.
Um pai chamou a polícia; fugiram seis.

Seis negrinhos dão o balanço: bolsa, anél, relógio, brinco...
houve um erro na partilha e viraram cinco.

Cinco negrinhos de olho na saída do teatro;
um vacilou, deu bobeira, sobraram quatro.

Quatro negrinhos tormbando. Todos quatro de uma vez.
Um deles o cara agarra -- mas não os três.

Três negrinhos batalhando feijão, farinha e arroz.
Um deu-se mal: a comida... dava pra dois.

Dois negrinhos se embebedam de brama, cachaça e rum;
discussão, briga, navalha... fica esse um.

E um negrinho vem surgindo
do meio da multidão:

por trás desse derradeiro
vem um milhão.

A RESPOSTA DO COMPUTADOR

homem com mulher
mulher com homem
homem com homem
mulher com mulher

homem e mulher
com homem
mulher e homem
com mulher

sexo não tem sexo
é quem gosta
com quem quer.

ARTIGO DE FUNDO

Eu quero é a orgia!
A safadeza!
A indecência!

Deixo pros padres
e pros militares
a continência!




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Cacaso

Antonio Carlos Ferreira de Brito

(Uberaba MG, 1944 - Rio de Janeiro RJ, 1987)

Publicou seu primeiro livro de poesia, A Palavra Cerzida, em 1967. Dois anos depois formou-se bacharel em Filosofia pela UFRJ, em 1969. Na época já colaborava nos jornais cariocas Opinião e Movimento. Entre 1965 e 1975 foi professor de Teoria Literária na PUC/RJ. Participou nos movimentos estudantis contra o regime militar, em 1968. Em 1974 e 1975 integrou os grupos Frenesi, com Roberto Schwarz, Francisco Alvim, Geraldo Carneiro, João Carlos Pádua, e Vida de Artista, com Eudoro Augusto, Carlos Saldanha (Zuca Sardan), Chacal, Luiz Olavo Fontes, produzindo suas próprias coleções, antologias e revistas. Em 1987 conquistou o primeiro lugar no Festival de Música Som das Águas, realizado em Lambari MG, com a música O Dia do Juízo, em parceria com Sueli Costa. Sua obra poética inclui os livros Grupo Escolar (1974), Segunda Classe (1975), Beijo na Boca (1975), Na Corda Bamba (1978), Mar de Mineiro (1982) e Beijo na Boca e Outros Poemas (1985). Cacaso é um dos principais nomes da "poesia marginal" brasileira. Sua obra, influenciada por Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Oswald de Andrade, tematizou a política e o amor em tempos de ditadura e liberação sexual, com humor e crítica social.

A Casa
Na minha infância quando chovia
batia sobre o telhado
uma pancada macia
a noite vinha de fora
e dentro de casa caía
meu olho esquerdo dormia
enquanto o outro velava
havia portas rangendo
lá fora o vento miava
no fundo da noite a casa
parece que navegava
meu coração passeava
por uma sala sombria
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía

Na minha infância quando chovia
batia sobre o meu peito
uma suave agonia
a noite vinha de longe
e dentro da gente caía
meu pai que sempre saía
numa viagem calada
havia vozes chamando
na boca da madrugada
no fundo da noite a casa
parece que despertava
assombração que passava
no sopro da ventania
por este lado se entrava
por este outro se olhava
e por nenhum se saía

As Coisas

O melão melou
A casa casou
A bola bolou
A rola rolou
O mato matou
O dia adiou
A gia giou
A pia piou
O pinto pintou
O boi boiou
O gato engatou
O pato empatou
A pomba empombou
A paca empacou
O galo galou
O ralo ralou
O calo calou
O barco embarcou
A vaca avacalhou
A banana embananou
A sombra assombrou
O raio raiou
O piru pirou

Há uma Gota de Sangue no Cartão Postal

eu sou manhoso eu sou brasileiro
finjo que vou mas não vou minha janela é
a moldura do luar do sertão
a verde mata nos olhos verdes da mulata

sou brasileiro e manhoso por isso dentro
da noite e de meu quarto fico cismando na beira de um rio
na imensa solidão de latidos e araras
lívido
de medo e de amor

Jogos Florais I

Minha terra tem palmeiras
onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo o meu fubá.

Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.

Lero-Lero

Sou brasileiro
de estatura mediana
gosto muito de fulana
mas sicrana é quem me quer
porque no amor
quem perde quase sempre ganha
veja só que coisa estranha
saia dessa se puder

Eu sou poeta
e não nego minha raça
faço verso por pirraça
e também por precisão
de pé quebrado
verso branco rima rica
negaceio dou a dica
tenho a minha solução

Não guardo mágoa
não blasfemo não pondero
não tolero lero-lero
devo nada pra ninguém
sou esforçado
minha vida levo a muque
do batente pro batuque
faço como me convém
Sou brasileiro
tatu-peba taturana
bom de bola ruim de grana
tabuada sei de cor
4 x 7
28 noves fora
ou a onça me devora
ou no fim vou rir melhor

Não entro em rifa
não adoço não tempero
não remarco o marco zero
se falei não volto atrás
por onde passo
deixo rastro deito fama
desarrumo toda trama
desacato satanás

Diz um ditado
natural da minha terra
bom cabrito é o que mais berra
onde canta o sabiá
desacredito
no azar da minha sina
tico-tico de rapina
ninguém leva o meu fubá
O Fazendeiro do Mar
Mar de mineiro é
inho
mar de mineiro é
ão
mar de mineiro é
vinho
mar de mineiro é
vão
mar de mineiro é chão
Mar de mineiro é pinho
mar de mineiro é
pão
mar de mineiro é
ninho
mar de mineiro é não
mar de mineiro é
bão
mar de mineiro é garoa
mar de mineiro é
baião
mar de mineiro é lagoa
mar de mineiro é
balão
mar de mineiro é são
Mar de mineiro é viagem
mar de mineiro é
arte
mar de mineiro é margem

(...)

Mar de mineiro é
arroio
mar de mineiro é
zem
mar de mineiro é
aboio
mar de mineiro é nem
mar de mineiro é
em
Mar de mineiro é
aquário
mar de mineiro é
silvério
mar de mineiro é
vário
mar de mineiro é
sério
mar de mineiro é minério
Mar de mineiro é
gerais
mar de mineiro é
campinas
mar de mineiro é
Goiás
Mar de mineiro é colinas
mar de mineiro é
minas

Poética

Alguma palavra,
este cavalo que me vestia como um cetro,
algum vômito tardio modela o verso.

Certa forma se conhece nas infinitas,
a fauna guerreira, a lua fria
encrustada na fria atenção.

Onde era nuvem
sabemos a geometria da alma, a vontade
consumida em pó e devaneio.
E recuamos sempre, petrificados,
com a metafísica
nos dentes: o feto
fixado
entre a náusea e o lençol.

Meu poema me contempla horrorizado.

Rio, 1965

Se Porém Fosse Portanto

Se trezentos fosse trinta
o fracasso era um portento
se bobeira fosse finta
e o pecado sacramento
se cuíca fosse banjo
água fresca era absinto
se centauro fosse anjo
e atalho labirinto
Se pernil fosse presunto
armadilha era ornamento
se rochedo fosse vento
cabra vivo era defunto
se porém fosse portanto
vinho branco era tinto
se marreco fosse pinto
alegria era quebranto
se projeto fosse planta
simpatia era instrumento
se almoço fosse janta
e descuido fosse tento
se punhado fosse penca
se duzentos fosse vinte
se tulipa fosse avenca
e assistente fosse ouvinte
se pudim fosse polenta
se São Bento fosse santo
dona Benta fosse benta
e o capeta sacrossanto
se a dezena fosse um cento
se cutia fosse anta
se São Bento fosse bento
e dona Benta fosse santa




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Chacal

Ricardo de Carvalho Duarte

(Rio de Janeiro RJ 1951)

Publicou seu primeiro livro de poesia, Muito Prazer, Ricardo, em 1971. No ano seguinte colaborou na revista Navilouca e publicou seu livro/envelope Preço da Passagem. Passou a integrar, em 1975, a coleção literária Vida de Artista, com Cacaso, Eudoro Augusto, Francisco Alvim, entre outros; ainda em 1975 foi lançado seu livro América. De 1976 a 1977 foi integrante do grupo Nuvem Cigana, com Bernardo Vilhena e Ronaldo Bastos, entre outros poetas. Formou-se bacharel em Comunicação pela UFRJ em 1977. Entre 1978 e 1983 foi co-autor das peças teatrais Aquela Coisa Toda, com o grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone e Recordações do Futuro, com o grupo Manhas & Manias. Na década de 1980 trabalhou como cronista do Correio Brasiliense e da Folha de S. Paulo, além de roteirista da TV Globo. Nos anos de 1990 foi produtor do Centro de Experimentação Poética - CEP 20000, da Rioarte, coordenador de oficinas de poesia na UERJ e no Parque Lage e editor da revista O Carioca. Sua obra poética inclui Nariz Aniz (1979), Boca Roxa (1979), Comício de Tudo (1986) e Letra Elétrika (1994). O poeta Paulo Leminski afirmou sobre a obra de Chacal, que é de tendência contemporânea: "A palavra 'lúdico' é a chave para a poesia de Chacal". Leminski também via nos poemas de Chacal a presença "da Poesia Concreta, das letras de música popular, do mundo industrial e urbano que se abateu, irremediavelmente, sobre nós."

Papo de Índio
Veiu uns ômi di saia preta

cheiu di caixinha e pó branco

qui eles disserum qui chamava açucri

aí eles falarum e nós fechamu a cara

depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo

aí eles insistirum e nós comemu eles.

Reclame

se o mundo não vai bem

a seus olhos, use lentes

... ou transforme o mundo.

ótica olho vivo

agradece a preferência

20 anos recolhidos

chegou a hora de amar desesperadamente

apaixonadamente

descontroladamente

chegou a hora de mudar o estilo

de mudar o vestido

chegou atrasada como um trem atrasado

mas que chega

Ai de mim, aipim.

ai de mim, aipim.

ô inhame, a batata é uma puta barata. deixa

ela pro nabo nababo que baba de bobo. transa

uma com a cebola.

aquele hálito? que hábito! me faz chorar.

então procura uma cenoura.

coradinha, mas muito enrustida.

a abóbora tá aí mesmo.

como eu gosto de abóbora.

então namora uma.

falô. vou pegar meu gorrinho e sair poraí pra

procurar uma abóbora maneira

té mais, aipim

té mais, inhame

Na porta lá de casa

Na porta lá de casa

tem dizendo lar romi lar

uma bandeira de papel

na porta lá de casa

as crianças passam

e se atiram no chão

e se olham por dentro

das bocas das palavras

na falta de qualquer espelho

na porta lá de casa

passa o amor o calor

de cada um que passa

na porta lá de casa.

Ponto de bala

os mortos tecem considerações

os tortos cozem quietos

as crianças brincam

e bordam desconsiderações

Prezado Cidadão

Colabore com a Lei

Colabore com a Light

mantenha luz própria.

Primeiro eu quero falar de amor

meu amor se esparrama na grama

Meu amor se esparrama na cama

meu amor se espreguiça

meu amor deita e rola no planeta.

Rápido e Rasteiro

Vai ter uma festa

que eu vou dançar

até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro

tiro o sapato

e danço o resto da vida.

Verão

Revoada

cabeleiras cambalache

andarilha

na trilha do sol.

Bermuda Larga

muitos lutam por uma causa justa
eu prefiro uma bermuda larga
só quero o que não me encha o saco
luto pelas pedras fora do sapato

Caleidoscópio Cinemascope

a vida é um cristal
que se reflete em pedaços
a vida como ela é
é a coleção dos cacos

vi um filme que Aladim
da lâmpada tirava um gênio
ele era James Dean
que tinha a cabeça a prêmio

eu parti do Irajá
passando por Paraty
eu ainda chego lá
até onde quero ir

vi um filme que Fellini
fez num ensaio de orquestra
tinha tiro de canhão
e acabava numa festa

se no mato me perdi
nesse mato me acharei
entre mais de mil picadas
numa delas sou o rei

eu vi Deus e o diabo
dançando na terra do sol
Glauber Rocha era o máximo
tão bom quanto rock-and-roll

minha estrada é um filme
cheio de amor e ódio
pra onde quer que me vire
cinemascope caleidoscópio
Espere, Baby
espere baby não desespere
não me venha com propostas tão fora de propósito
não acene com planos mirabolantes mas tão distantes

espere baby não desespere
vamos tomar mais um e falar sobre o mistério da lua vaga
dylan na vitrola dedo nas teclas
canto invento enquanto o vento marasma

espere baby não desespere
temos um quarto uma eletrola uma cartola
vamos puxar um coelho um baralho e um castelo de cartas
vamos viver o tempo esquecido do mago merlin
vamos montar o espelho partido da vida como ela é

espere baby não desespere
a lagoa há de secar
e nós não ficaremos mais a ver navios
e nós não ficaremos mais a roer o fio da vida
e nós não ficaremos mais a temer a asa negra do fim

espere baby não desespere
porque nesse dia soprará o vento da ventura
porque nesse dia chegará a roda da fortuna
porque nesse dia se ouvirá o canto do amor
e meu dedo não mais ferirá o silêncio da noite
com estampidos perdidos.

Fogo-Fátuo

ela é uma mina versátil
o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel

se ela veste seu manto diáfano
sai de noite e só volta de dia
eu escuto os cantores de ébano
e espero ela chegar da orgia

ela pensa que eu sou fogo-fátuo
que me esquenta em banho-maria
se estouro sou pior que o átomo
ainda afogo essa nega na pia.

Vamp

a rua escura deserta
acelera o desejo
eu piso fundo no mundo
com o farol aceso

uma sirene: polícia
no retrovisor
não sei se é paranóia
ou se sou infrator

em cada curva fechada
espero pelo pior
estranho cheiro de sangue
ninguém ao redor

no carro, o rádio anuncia
mais um assassinato
vejo seu corpo na esquina
paro o carro e salto

como vou te esquecer
seu beijo é mesmo assim
marcas no pescoço dizem
que o tempo todo só
queria assistir a meu fim

um dia seu nome é Ana
no outro dia Janette
o tempo todo na cama
afiando a gilete

só sai na rua se for
em busca de uma brisa
e quando o dia começa
você corre da polícia

a vida inteira agitou
e hoje vive no vício
um vai e vem, entra e sai
na porta do edifício

seu veneno é cruel
seu olhar, assassina
me queimo no seu calor
seu coração de heroína

como vou te esquecer
seu beijo é mesmo assim
marcas no pescoço dizem
que o tempo todo só
queria assistir a meu fim

você só quer aplicar
você não quer nem saber
você só sabe iludir
você espalha o terror

Ginga Genipapo

aquela guitarrinha ranheta

debochada disbocada

my generation

satisfaction

aquela mina felina

cuba sarro cocaína

do you wanna dance

don't let me down

aquela ginga genipapo

elástica solta rasteira

i'm free

like a rolling stone

aquela ginga genipapo

cheiro de porrada no ar

street fighting man

jumping jack flash

aquele som de fuder

orelhas pra que ti quero

who knows

straight ahead


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Glauco Mattoso

Pedro José Ferreira da Silva

(São Paulo SP 1951)

Glauco Mattoso, cujo nome real é Pedro José Ferreira da Silva, estudou Letras na Universidade de São Paulo, mas não chegou a completar o curso. Entre 1976 e 1994 colaborou em vários periódicos do Rio de Janeiro, como Pasquim e 34 Letras, e também de São Paulo, como Chiclete com Banana e Jornal da Tarde. Em 1977 organizou, com Nilto Maciel, Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal. Participante do grupo de poetas "marginais" que, nos anos de 1970, publicava em periódicos alternativos, Mattoso reuniu, em 1981, parte de sua produção poética no livro Jornal Dobrabil, 1977/1981. Ainda em 1981 escreveu, para a coleção Primeiros passos, da Brasiliense, O Que É Poesia Marginal. Nas décadas de 1980 e 1990 participou ativamente de palestras e debates sobre poesia e arte. Considerado uma das vozes mais fesceninas da poesia brasileira comtemporânea, o poeta, herdeiro de Gregório de Mattos e Bocage, é sempre lembrado pelo uso de linguagem obscena, satírica, por vezes chula. Sua trajetória poética abrange dos poemas concretos, visuais, da primeira fase, aos sonetos camonianos de Centopéia: Sonetos Nojentos & Quejandos (1991) e haicais de Haicais Paulistanos (1992).

Hino Patriótico do Prisioneiro Político
para ser recitado em tom marcial,
com acompanhamento de castanholas,
trote de cascos (equinos) sobre paralelepípedos
ou tilintar de ossos (humanos)

independen
te
men
te

de quem
te
men
te

tens o de
ver
de

outra ver
dade de
fender

Confessional

Amar, amei. Não sei se fui amado,
pois declarei amor a quem odiara
e a quem amei jamais mostrei a cara,
de medo de me ver posto de lado.

Ainda odeio quem me tem odiado:
devolvo agora aquilo que declara.
Mas quem amei não volta, e a dor não sara.
Não sobra nem a crença no passado.

Palavra voa, escrito permanece,
garante o adágio vindo do latim.
Escrito é que nem ódio, só envelhece.

Se serve de consolo, seja assim:
Amor nunca se esquece, é que nem prece.
Tomara, pois, que alguém reze por mim...

Fique Ligado

dentro de
um segundo
em primeira
mão
o terceiro
mundo
no seu
quarto
arregale
o globo e não
pisque

Credo Progressista

para Murilo Mendes & Chico Buarque

Creio em Deus Pátria,
plenipotenciário,
criador do espaço aéreo
e das águas territoriais,
do Mal e do Bem,
do Visível e do Invisível.
E em Creso Justo,
Seu único Filho,
nosso Senhor feudal,
Que é filho procedente de Pai,
Peixinho de Peixe,
Nadador de Natação,
Sangue do Húmus.
O Qual foi concebido do 'Espírito das Leis';
nasceu da Mata Virgem;
padeceu sob o Poder Moderador;
foi seviciado, chacinado
e Seu cadáver abandonado em local ermo;
desceu ao proletariado,
ao terceiro Dia do Trabalho ressurgiu dos pobres,
segundo as Escrituras Definitivas
de Compra e Venda
devidamente inscritas no Cartório
de Registro de Imóveis da Capital;
subiu ao Planalto,
está sentado à mão direitista de Deus Pátria,
donde há de vir e julgar os ricos e os pobres;
e o Seu império não terá fim.
Creio no 'Espírito das Leis';
na Santa Aliança, no Santo Ofício,
na Família, na Propriedade
e na Traição, digo, na Tradição;
na mancomunação, perdão,
na comunhão dos santos cassados;
na cassação dos mandatos;
na ressurreição da carne de primeira;
na puxa vida eterna,
Amém.
Cansioneiro
viramundo vaila estrada violeiro
barravento ventania travessia disparada
arrastão veleiro saveiro jangadeiro canoeiro
caminhemos caminhando caminhada

andança chegança ponteio boiadeiro
berimbau arueira aruanda enluarada
opinião louvação cantador cirandeiro
banda sarabanda porta-estandarte batucada

incerteza insensatez inquietação
fracasso palhaço jurei errei sofri
antonico tico-tico maracangalha construção

rosa roda ronda bodas baby zambi
cadência decadência aquarela conceição
adalgisa amélia aurora irene geni

Enfim um Poeta Profissional

alexandrinos a metro
RIMAS RICAS A PREÇOS POPULARES
chaves de ouro em cinco minutos
enjambements sem quebrar o pé
CESURA INVISÍVEL
elegias para plataformas
ACRÓSTICOS PARA PARTIDOS
Hai-Kais para Militares
QUADRINHAS - REDONDILHAS - CUBISMOS
GLAUCO (LIBERAL) MATTOSO

SONETO SINTÉTICO

De como a poesia é definida
depende da trajetória do poeta.
Qual é, pergunto, a fórmula secreta
que traça em poucas linhas uma vida?

Segundo Rilke, a lira não duvida.
mas Eliot é turrão, e tudo objeta.
Bashô quanto mais crê menos se aquieta.
Pessoa diz que é fé na dor fingida.

Divergem tantos mestres só no tom.
Não há por que dar tratos ao bestunto:
há química no verso, não um Dom.

Qualquer opinião, qualquer assunto
será, verdade ou não, poema bom
se for densa a fração, breve o conjunto.

Soneto Altissonante

Barulho é o que se faz na poesia,
de dentro para fora do poema.
Se não for ruidoso o próprio tema,
a forma desafina a melodia.

Se o atonal virou monotonia,
resolve-se na crítica o problema.
É só polemizar, com tinta extrema,
se a pança deve estar ou não vazia.

A fome, última instância do organismo,
define o decibel do belo artístico,
que vai de zero a dez em ativismo.

A coisa se resume neste dístico:
Mais pintam de fatídico um abismo,
maior seu interesse e grau turístico.

SONETO 240 BARROCONCRETO (1999)

Silvícolas cultivam terra aguada.
Ar puro, mar azul, fartura quente.
O verde acolhe os olhos e, silente,
desdobra-se na sílaba molhada.

A mata a vaga alaga, e lá se nada.
Na grota sobra a luz sobrevivente.
Da guerra brota a cruz da nossa gente.
Brasil, assim a missa sela e brada.

Semeia o grão, a prole, até a colheita.
Rebanhos cria, acorda proletário.
Saqueia, pilha e dorme. Come e deita.

Nascente, o afluente, o tributário.
O rio poluído, a paz suspeita.
O traço de Brasília, agreste aquário.

SONETO 670 LASCADO [a Arnaldo Antunes] (2003)

Em vez do brontossauro que já aturo,
é dum tiranossauro que ora corro!
Já tive um mastodonte por cachorro,
mas nem com meu mamute estou seguro!

Só pode ser castigo! Neste obscuro
inferno pré-histórico percorro
meu trágico caminho, sob o jorro
de intensos temporais, passando apuro!

Do céu o pterodáctilo me ataca!
Na terra o megatério me ameaça!
Um antropopiteco sofre paca!

Nem deixam que um poema em pedra eu faça!
Vou ter que usar a pena como faca,
salvando, entre os poetas, minha raça!


















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Leila Miccolis

(Rio de Janeiro RJ 1947)

Formou-se bacharel em Direito no Rio de Janeiro RJ, em 1969. Na época, já havia publicado os livros de poesia Gaveta da Solidão (1965) e Trovas que a Vida Rimou (1967). Nas décadas seguintes, produziu poemas, romances, ensaios, comédias e roteiros para televisão. Entre 1975 e 1993 teve poemas publicados em várias antologias, entre as quais 26 Poetas Hoje, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Participou de atividades com grupos feministas e homossexuais, através dos jornais Lampião e Auê, entre 1979 e 1981. Fundou, nas décadas de 1980 e 1990, as editoras Trote e Blocos. Em 1997 publicou o livro de haicais Estalos, em co-autoria com Urhacy Faustino, e Sangue Cenográfico, este sendo a neunião de todos seus livros até 1997 exceto o De 4 (1990), com prefácios de Ignácio Loyola Brandão, Heloisa Buarque de Hollanda, Gilberto Mendonça Teles e Nélida Piñon. Ignácio, no prefácio diz: "Nenhum poeta brasileiro me toca tanto, me reserva uma emoção, uma agressão, me apunhala, me deixa com vergonha das coisas que os homens fazem. Tem vezes que seus textos me lembram a crueldade com que Dalton Trevisan, na prosa, trata seus personagens". Sua obra poética inclui os livros Mercado de Escravas (1984), Só Se For a Dois (1990) e Sob o Céu de Maricá (1999), entre outros. A poesia de Leila Míccolis é de tendência contemporânea e tematiza, com freqüência, a condição feminina.

A Seco
Tem coisas que a gente só diz de porre,
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez,
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose afetiva.

Arte Marajoara (II)

Salgado por chorar há tanto tempo
a morte de seus filhos mais amados
-- peixes-bois e namorados,
muçuãs, atuns, baleias --,
o mar em extinção e em permanente vazante
entoa réquiem fúnebre e dissonante:
seu derradeiro canto da sereia.

De Volta Para o Presente

(Parte única - soneto indivisível...)

Hipólita, Antíope ou simples colona,
temíveis perigos, feliz, desafio,
mostrando a potência do meu poderio,
dos campos, senhora, dos píncaros, dona,

pois sou tua eterna e soberba Amazona,
com arco e com flecha, inclusive no cio,
num louco galope, em fatal desvario,
por ínvios caminhos que surgem à tona...

Aquiles, Teseu, o que queres que sejas,
em mim acharás o que tanto desejas:
um misto de gozo, ternura e esplendor,

por ser a Amazona das tuas florestas,
libertas, profundas, reais, manifestas,
sem fim cavalgando os sertões deste amor.

Em Órbita

(Para o show de Tereza Tinoco)

Com você
quero todas as intimidades
de um amor escandalosamente carnudo,
sobretudo imperfeito,
que seja capaz de fazer
eles morderem a boca de despeito
e nós lambermos os beiços de prazer.
Com você
quero um amor que não precisem devassar
porque é claro e transparente;
daí ameaçar a tanta gente
pesada,
que não sabe flutuar
nem libertar-se da seriedade.
Com você
quero um amor tão à vontade
que muito mais leve que o ar
possa desafiar a lei da gravidade...

Janela Tridimensional

Quem é vivo sempre aparece;
mas dependendo do morto
ocorre o mesmo processo:
os poetas que eu mais amo
entram sempre em minha casa
pela porta dos seus versos.

Aos independentes ausentes: Torquato Neto, Henrique do
Valle, Violeta Formiga, Geraldo Alverga, Barrozo Filho,
Paulo Veras, Ana Cristina, Batista Jorge, Tony Pereira,
Touchê, Cleide Veronesi, Cacaso, Leminski, João Carneiro,
Severino do Ramo, Francisco Igreja.

Plano de Vôo

Deixar de encarar nossos sentimentos
como fraquezas,
cheios de defesas e sigilos,
incomodados e culpados por senti-los,
para que nossos planos emocionais
aflorem em níveis
cada vez mais pessoais
... e transferíveis.
Vã filosofia...
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...

Prós e contras

Defendemos a ecologia.
Mas engolimos sapos
todo dia.

Confissão

Dizem que o amor é cego,
não nego,
por isso te abro os olhos:
não tenho bens nem alqueires,
eu não sou flor que se cheire,
nem tão boa cozinheira,
(bem capaz que ainda me piches
por só comer sanduíches),
minha poesia é fuleira,
tenho idéias de jerico,
um cio meio impudico
como as cadelas e as gatas,
às vezes me torno chata
por me opor ao que comtemplo,
sei que sou péssimo exemplo,
por pouca coisa me grilo,
talvez por mim percas quilos,
eu não sei se valho a pena,
iguais a mim, há centenas,
desejo te ser sincera.
Mas no fundo o amor espera
que grudes qual carrapicho:
são tão grandes meu rabicho
e minha paixão por ti,
que não estão no gibi...
Ao te ver, viro pamonha,
sem ação, e sem vergonha
o meu ser inteiro goza.
Por isso, pra encurtar prosa,
do teu corpo, cada poro
eu adoro adoro adoro...

NOVA INQUISIÇÃO

Minha fama é negra,
sou mau elemento;
censurarão meus versos
pra servir de exemplo?

PESSOAL E INTRANSFERÍVEL

Chegou a "Pequena Notável",
de bolso, sou descartável;
mas não se deixe enganar
com o que eu posso aparentar:
se nos frascos pequeninos
há os perfumes mais finos,
é também neles que vemos
os mais terríveis venenos...
Não tenho nenhum complexo,
transo tudo, até em sexo,
eu gosto de ser assim,
ninguém esquece de mim...
Gasto pouco com feijão,
com roupa, e na condução,
-- se o trocador não bronqueia --,
eu às vezes pago meia...
Por fim, tenho outra vantagem:
eu caibo em qualquer bagagem.
E quem se atreve e se enleva
vê que sou leve e me leva...
Assim, por mais que eu ande,
com minha miudez eu venho sempre a aprender
que ninguém precisa ser gente grande.
Precisa é SER!

SEREIA, JANAÍNA, IEMANJÁ

Vem meu veleiro navegar-me lendas
que abro oceanos nunca desbravados,
as portas líquidas dos meus reinados,
e armo de pérolas as nossas tendas...

Vê-me a nudez - afasta as alvas rendas,
que encontrarás tesouros afundados;
só que talvez, pra teres tais agrados,
ao mar pra sempre tua vida prendas.

Se mesmo assim o novo lar não temes,
se não recuas, e se ainda gemes,
por meu amor, sedento de paixão,

cheia de luzes, colorida amante,
eu verde, azul, e em brilhos deslumbrantes,
refratarei-me em tuas redes-mãos.




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Paulo Leminski

(Curitiba PR, 1944 - idem 1989)

Publicou seus primeiros poemas em 1964, na revista Invenção, porta-voz da poesia concreta paulista. No período, trabalhava como Professor de História e Redação em cursos pré-vestibulares e professor de judô. Músico e letrista, nos anos de 1970 teve canções gravadas por A Cor do Som, Paulinho Boca de Cantor, Moraes Moreira. Em 1975 publicou o romance experimental Catatau. Na década de 1980, trabalhou como colaborador em periódicos, tradutor e redator de publicidade. Seu primeiro livro de poesia, Não fosse isso e era menos. Não fosse tanto e era quase, saiu em 1980. Seguiram-se Caprichos e Relaxos (1983) e Distraídos Venceremos (1987). Entre suas obras póstumas estão La vie en close (1991) e Winterverno (1994). Leminski fez parte da geração de "poetas marginais" que, nos anos de 1970, publicava em revistas alternativas; a partir dos anos 80, no entanto, tornou-se um dos nomes mais populares da poesia contemporânea brasileira. Sua obra assimilou elementos da primeira fase do modernismo, como o coloquialismo e o bom-humor, do concretismo e também da poesia oriental, que inspirou a criação de seus famosos haicais.

A Lua no Cinema
A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.

Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!

Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.

A lua ficou tão triste
com aquela história de amor,
que até hoje a lua insiste:
-- Amanheça, por favor!

Bem no Fundo

no fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela -- silêncio perpétuo

extinto por lei o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas

Claro Calar sobre uma Cidade sem Ruínas (Ruinogramas)

Em Brasília, admirei.
Não a niemeyer lei,
a vida das pessoas
penetrando nos esquemas
como a tinta sangue
no mata borrão,
crescendo o vermelho gente,
entre pedra e pedra,
pela terra a dentro.

Em Brasília, admirei.
O pequeno restaurante clandestino,
criminoso por estar
fora da quadra permitida.
Sim, Brasília.
Admirei o tempo
que já cobre de anos
tuas impecáveis matemáticas.

Adeus, Cidade.
O erro, claro, não a lei.
Muito me admirastes,
muito te admirei.

Desmontando o Frevo

desmontando
o brinquedo.
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranquilo
com aquilo
nem com isto

de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério

eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro

Ler pelo Não

Ler pelo não, quem dera!
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
Ler pelo não, além da letra,
ver, em cada rima vera, a prima pedra,
onde a forma perdida
procura seus etcéteras.
Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.

Limites ao Léu

POESIA: "words set to music" (Dante
via Pound), "uma viagem ao
desconhecido" (Maiakovski), "cernes e
medulas" (Ezra Pound), "a fala do
infalável (Goethe), "linguagem
voltada para a sua própria
materialidade" (Jakobson),
"permanente hesitação entre som e
sentido" (Paul Valéry), "fundação do
ser mediante a palavra" (Heidegger),
"a religião original da humanidade"
(Novalis), "as melhores palavras na
melhor ordem" (Coleridge), "emoção
relembrada na tranquilidade"
(Wordsworth), "ciência e paixão"
(Alfred de Vigny), "se faz com
palavras, não com idéias" (Mallarmé),
"música que se faz com idéias"
(Ricardo Reis/ Fernando Pessoa), "um
fingimento deveras" (Fernando
Pessoa), "criticism of life" (Mathew
Arnold), "palavra-coisa" (Sartre),
"linguagem em estado de pureza
selvagem" (Octavio Paz), "poetry is to
inspire" (Bob Dylan), "design de
linguagem" (Décio Pignatari), "lo
imposible hecho posible" (García
Lorca), "aquilo que se perde na
tradução" (Robert Frost), "a liberdade
da minha linguagem" (Paulo
Leminski)...
Sujeito Indireto
Quem dera eu achasse um jeito
de fazer tudo perfeito,
feito a coisa fosse o projeto
e tudo já nascesse satisfeito.
Quem dera eu visse o outro lado,
o lado de lá, lado meio,
onde o triângulo é quadrado
e o torto parece direito.
Quem dera um ângulo reto.
Já começo a ficar cheio
de não saber quando eu falto,
de ser, mim, indireto sujeito.

[Marginal é quem escreve à margem,]

Marginal é quem escreve à margem,
deixando branca a página
para que a paisagem passe
e deixe tudo claro à sua passagem.

Marginal, escrever na entrelinha,
sem nunca saber direito
quem veio primeiro,
o ovo ou a galinha.

en la lucha de clases

en la lucha de clases

todas las armas son buenas
piedras
moches
poemas

WITH THE MAN

aqui
no oeste
todo homem tem um preço
uma cabeça a prêmio
índio bom é índio morto
sem emprego
referência
ou endereço
tenho toda a liberdade
pra traçar meu enredo

nasci
numa cidade pequena
cheia de buracos de balas
porres de uísque
grandes como o grand cayon
tiroteios noturnos
entre pistoleiros brilhantes
como o ouro da califórnia
me segue uma estrela
no peito do xerife de denver

manchete

CHUTES DE POETA
NÃO LEVAM PERIGO À META

quero a vitória

quero a vitória
do time de várzea

valente
covarde

a derrota
do campeão

5 X 0
em seu próprio chão

circo
dentro
do pão

eu queria tanto

eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito

eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões

em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois

podem ficar com a realidade

podem ficar com a realidade
esse baixo astral
em que tudo entra pelo cano

eu quero viver de verdade
eu fico com o cinema americano

Haicai
1.

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão
2.

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

[poeta de província]

um dia

a gente ia ser Homero

a obra nada menos que uma ilíada

depois

a barra pesando

dava pra ser aí um rimbaud

um ungaretti um fernando pessoa qualquer

um lorca um éluard um ginsberg

por fim

acabamos o pequeno poeta de província

que sempre fomos

por trás de tantas máscaras

que o tempo tratou como a flores

[poeta inglês]

um dia desses quero ser

um grande poeta inglês

do século passado

dizer

ó céu ó mar ó clã ó destino

lutar na índia em 1866

e sumir num naufrágio clandestino

um bom poema

um bom poema

leva anos

cinco jogando bola,

mais cinco estudando sânscrito,

seis carregando pedra,

nove namorando a vizinha,

sete levando porrada,

quatro andando sozinho,

três mudando de cidade,

dez trocando de assunto,

uma eternidade, eu e você,

caminhando junto


Catatau - fragmento inicial

ergo sum, Ego sum Renatus Cartesius, cá perdido, aqui presente, neste labirinto de enganos deleitáveis, - vejo o mar, vejo a baía e vejo as naus. Vejo mais. Já lá vão anos III me destaquei da Europa e a gente civil, lá morituro. Isso de "bárbarus - non intellegor ulli" - dos exercícios de exílio de Ovídio é comigo. Do parque do príncipe, a lentes de lintera, CONTEMPLO A CONSIDERAR O CAIS, O MAR, AS NUVENS, OS ENIGMAS E OS PRODÍGIOS DE BRASÍLIA. Desde verdes anos, via de regra, medito horizontal manhã cedo, só vindo à luz já sol meiodia. Estar, mister de deuses, na atual circunstância, presença no estanque dessa Vrijburg, gaza de mapas, taba rasa de humores, orto e zôo, oca de feras e casa de flores. Plantas sarcófagas e carnívoras atrapalham-se, um lugar ao sol e um tempo na sombra. Chacoalham, cintila a água gota a gota, efêmeros chocam enxames. Cocos fecham-se em côas, mamas ampliam: MAMÕES. O vapor umedece o bolor, abafa o mofo, asfixia e fermenta fragmentos de fragrâncias. Cheiro um palmo à frente do nariz, mim, imenso e imerso, bom. Bestas, feras entre flores circulam em jaula tripla - as piores, dupla as maiores; em gaiolas, as menores, à ventura - as melhores. Animais anormais engendra o equinócio, desleixo no eixo da terra, desvio das linhas de fato. Pouco mais que o nome o toupinambaoults lhes signou, suspensos apenas pelo nó do apelo. De longe, três pontos... em foco, Tatu, esferas rolando de outras eras, escarafuncham mundos e fundos. Saem da mãe com setenta e um dentes, dos quais dez caem aí mesmo, vinte e cinco ao primeiro bocado de terra, vinto o vento leva, quatorze a água, e um desaparece num acidente. Um, na algaravia geral, por nome Tamanduá, esparrama língua no pó de incerto inseto, fica de pé, zarolho de tão perto, cara a cara, ali, aí, esdruxula num acúmulo e se desfaz eclipsado em formigas. Pela ou na rama, você mettalica longisonans, a araponga malha ferro frio bentevi no mal-me-quer-bem-me-quer. A dois lances de pedra daqui, volta e meia, dois giros; meia volta, vultos a três por dois. De onde em onde, vão e vêm; de quando em vez, vêem o que tem. Perante o segundo elemento, a manda anda e desanda, papa e bebe, mama e baba. Depois da laguna, enchem a anterior lacuna. Anta, nunca a vi tão gorda. Nuvens que o gambá fede empalidecem o nariz das pacas. Capirava, estômago a sair pelas órbitas, ou, porque fartas se estatelam arrotando capinzais ou, como são sabem senão comer, jogam o gargalo para o alto, arreganhando a dentadura, tiriricas de estar sem fome. Ensy, João chamado bobo, não tuge nem muge, não foge tiro, brilho nem barulho - gálbula brachyptera, insectívora, tacitura, non scansoria, stupida -, para jogar sério a esmo. Monos se penteando espelham-se no banho das piranhas, botam mau olhando anulando-lhes a estampa, símios para sempre. Na aguada, o corpanzil réptil entretec e lagartos e lagostas. Monstros da natura desvairada nestes ares, à tona, boquiaberta, à toa, cabisbaixa, o mesmo nenhum afã. Tira pestana ao sol uma jibóia que é só borboletas. Tucanos atrás dos canos, máscara sefardim, arcanos no tutano. Jibóia, no local do crime, desamarram espirais englobando cabras, ovelhas, bois. Chifres da boca para fora - esfinges bucéfalas entre aspas - decompõem pelos mangues o conteúdo: cospem cornos o dobro. Exorbitantes, duram contos de séculos, estabelece Marcgravf, na qualidade de profeta. Vegetam eternidades. Crias? Mudas? Cruzam e descruzam entre si? Não, esse pensamento, não, - é sístole dos climas e sintomas do calor em minha cabeça. Penso mas não compensa: a sibila me belisca, a pitonisa me hipnotiza, me obelisco, essa python medusa e visa, eu paro, viro paupau, pedrapedra. Dédalos de espelho de Elísio, torre babéu, hortus urbis diaboli, furores de Thule, delícias de Menrod, curral do pasmo, cada bicho silencia e sleciona andamentos e paramentos. Bichos bichando, comigo que se passa?



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Régis Bonvicino

PÉTALA
Pétala retoma o espaço
extraviado
e fios-favila
- o inverno
uma âncora irremovível? -
reanima o espaço
perdido
pétalas tornam ruminantes
as pedras
lâmpadas?
noitepétala
alarme de cor
espaço a pino
um pássaro pousa
bica a flor e asas
linhas que são só
ângulos
que o sol nada revela
que a claridade
reitera : ângulos
aqui
pó nos
postes
teias
de amarelo
vivas
como pontos avançados do universo
andando
e salta à vista

INSETOS

Insetos pensos
em seguida corolas
secas gravetos flores
no confronto

com tensos
fios fachadas fixas
mesmo à sombra
cor

em círculos como
sinos do esguio
irrompem na calçada
e ao vento

EGO

Ego desprega
sereia e caveira

Narciso
de um eu

impreciso Bosch
na altura da clavícula

Espécie de cogito
do signo incógnito

Homem sem sombra

Na pele,
corpo em torno do quase nada
LUA
Lua inteira
( sol insone )
junto
à montanha

Itabirito
minério de ferro
e quartzito
mirante

de dentro do céu
ao redor,

que importa
o infinito ?

OLHAR DE DENTRO

Olhar de dentro,
tocar de dentro -
só, em si mesmo,
onde em silêncio
adentro,
onde os de fora,
avessos,
me concentro
de estar
dentro

que se concentra
numa rajada
de vento
mas está dentro
do dentro -
às vezes, monumento

os dos outros e os meus
de fora
com eles entro -
cabelos de dentro,
unhas de dentro -
miragem-fragmento
de peitos

LEGENDA, Nº 2

Fragmento de árvore
que o espaço impõe
à vista

Vermelho de não,
a automóveis,
sob fios

Em silêncio como o
vidro da janela
este momento vazio.




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Jayro Luna

(1960)

O webdesigner destas apostilas e páginas de Internet. Ouso me colocar aqui, entre tantos e grandes poetas e escritores. Afinal de contas, a página é minha e se a gente não se dá o valor, quem dará?

Formei-me em Letras pela PUC-SP em 1986. Fiz mestrado em literatura brasileira (FFLCH/USP, 1997) com a dissertação Retórica da Poesia Épica Brasileira: De Bento Teixeira à Sousândrade, e o doutoramento em literatura portuguesa (FFLCH/USP, 2002) com a tese José de Almada Negreiros, poeta: Do Futurismo e do Sensacionismo à Poética da Ingenuidade. Como poeta, na década de 80 publiquei fanzines e plaquettes de poesia marginal. Mais recentemente os livros de poesia Infernália Tropicalis (1999), Florilégio de Alfarrábio (2001) e Manual Secreto de Rapsodomancia (no prelo, 2005). Como estudioso e crítico de literatura, os livros de ensaios Monografias de Literatura, Teatro, Comunicação e Semiótica (1998), Participação e Forma (2001) e Caderno de Anotações (no prelo, 2005). Fui duas vezes vencedor do concurso Projeto Nascente/Cadê o seu talento? (USP/Abril, 1991 e 1992) na categoria livro de poesia. Minha poesia chafurda nas águas das vanguardas poéticas do século XX (Futurismo, Cubismo, Surrealismo, Dadaísmo, Concretismo) e na reinvenção de formas da tradição (soneto, baladas, odes). A intertextualidade se desenvolve por meio de paródias, paráfrases, alusões, citações. A contracultura e a beat generation compõem o panorama final.

A Obra de Arte Na Época de suas Técnicas de
Reprodução (Hipótese Estética).

Para Walter Benjamim e Antero de Quental

Já não sei quanto vale a nova arte

Quando a vejo nas galerias rifadas,

Turva de aspecto, à luz fotografada,

Como chocante pós-tudo encarte...

Sonolento meu olhar se esvai destarte,

Respira fumo e logo embriagada

A artista de alma vasta e agitada

Desfaz-se dos últimos baluartes...

Nossa era irritada e virulenta

Chama à glossolalia experimento,

Verbo ao ruído de fragmentos e caos...

Mas a Arte é no mundo insustentável,

Num céu volátil de ordem fractável...

Tu, sentimento, não és mar, és nau... 9;

Farenheit 451

Fogo! Fire! Queimarão todos os livros!

Ardem nas ruas as odes, albas, liras!

Quando o saber é subversivo, a ira

Louca em trevas lança a alma dos vivos!

O inferno de Dante, o Uivo, a Ilíada!

Bombeiros incendiando uma Odisséia;

A magia dos Tiranos: sua panacéia!

Sopra Adamastor as letras lusíadas!

Cante Menestrel! Pé na estrada, Hippie!

Guarde uma estória ulisseida leitor,

Pois se amanhã calar-te o ditador,

Às ocultas, numa das últimas trips

De segunda, foges para a floresta,

Qual Montag, cante sua canção de gesta!

Gotham City

Mas é preciso ser batman em gotham city,

É preciso ler gibi antigo e desfolhado,

Sendo morcego, não ser vampiro, ser beat,

Besouro caindo nos ouvidos deflorados.

Mas é preciso ser batman em gotham city,

Roncando o motor turbinado do bat-carro,

Gostar de Liszt, saber tudo e tudo cite!

Tomar copos de leite e não fumar cigarro!

Sendo o batman enfrento o coringa e o pingouin,

A sensual mulher gato que me arranha as pernas

E o peito e declara estranha paixão por mim!

Ter sempre ao meu lado um Robbin longe a tavernas;

É preciso ser batman em gothan city enfim,

Pra a luta ao som do rock, morar em caverna!

Body Modification

Tatto tribal nas costas: Poeta Maldito!

A ferro e fogo marca-se a pele em dor!

Suportar a dor e o medo, soltar o grito!

Ser diferente, ser estranho, ser senhor

De mim mesmo, de meus signos e de meus sonhos...

Body piercing na língua, no verbo, na voz...

Se à hipertrofia do lóbulo me imponho,

É para marcar o que ouço na alma veloz...

Pocketing fulgurante marca-me os braços

Chifres implantados na testa a profanar

As visões do paraíso e dos anjos sem traços!

Jóias, alargadores, barbells, tudo usar

Para dizer ao Mundo quem eu sou e o que penso

Que se encontra em mim um amor em ira imenso!

Poema Concreto Pau-Brasil

9; A Oswald, Macunaíma, Ronald, Blaise, Tarsila e Pagu.

"porque o mundo namorado / he lá, senhor, outro mundo / que esta além do Brasil" Gil Vicente.

"Nem o canhão ribomba, que assinale / Que este Dia ao Brasil é consagrado. / Só o escritor ressoa / de turbulento povo, indiferente / Da Pátria minha à glória." Gonçalves de Magalhães.

"Festa na mesa do horizonte / eis a paisagem que eu fitava: / pontas de estrela, arcos e flora / postos na terra, entre as estátuas." Ledo Ivo.

v e r d e a m a r e

l o v e r d e a m a

r e l o v e r d e a

m a r e l o v e r d

e a m a r e l o v e

r d e a m a r e l o

v e r d e a m a r e

l o v e r d e a m a

r e l o v e r d e a

m a r e l o v e r d

e a m a r e l o v e

Catetinho, Brasília, 07/09/2000.
O Capitão Crunch Contra O Gigante dos Portões
9; A Wosniak, Bill Gates, Linus Torvalds

I

Salve! Salve!

O Capitão Crunch

Vem voando pelos céus

Entre torres e fios de telefone,

Lá vem o herói ao léu

Com sua caixa azul

Que emite sons dissonantes

E de Norte a Sul

Nos traz informações intrigantes!

Salve! Salve!

O Capitão Crunch

Vem chegando para nos dizer

Do que sua caixa azul

É capaz de fazer!

II

Seu infiel escudeiro,

Ozzy já aprendeu

A construir sua própria caixinha

E agora também

Segue o herói

Pela terra inteirinha

Pousando como andorinha

Nos fios de telefone...

III

Mas eis que o herói

É chamado a viajar

Até ao sistema solar de Altair

E lá vai o herói

Buscando entender

Como Altair é diferente

De tudo que ele

Já havia visto pela frente!

IV

Mas no Clube Homebrew,

Os fazedores de cerveja

Estão brindando agora, veja,

Ao novo brinquedinho

Que inventaram...

Os amigos do clube descobriram

Que não é preciso bat-caverna

Nem ser agente da Uncle

Ou James Bond

Para poder ter um computador

E ficam a inventar joguinhos

Em seus pcs!

Juntaram isto à caixa azul do Ozzy

E agora pelos fios de telefone

Sem descanso e insones

Correm idéias

Que giram mais que disco no gramophone!

V

O Gigante dos Portões do Inferno

Insatisfeito com essa bonança

Destituído de temperança

Resolve, depois dum último gole no falerno,

Cercar o clube e atacar os amigos do Herói...

Até o quatro-olhos do Mitnick

Que brincava de inventar senhas

E sonhava voar num sputinik

Foi ver o Sol nascer quadrado

Foi levar lenha

Foi engavetado!

Cerceados da liberdade que constrói

Tanto como a criatividade, os caubóis

Chamam a ajuda de Altair

Para livrar o clube prestes a ruir!

VI

Lá vem o Capitão Crunch

Com sua caixa azul

Lançando raios dissonantes

Buscando um novo tom

Buscando num rompante

Derrubar o temível Gigante!

Numa feroz batalha virtual

A terra treme e é um sinal

Que se chega à luta final

Luta entre o bem relativo

E o transparente mal...

VII

Depois daquela lida feroz

Num épico ao estilo homérico,

Mas Homero era cego

E acho que ele nem existiu,

Depois daquele instante histérico,

Dos lances mais feéricos,

Que um novo mundo surgiu

Não, não nego,

E agora todos podem

Voar pelos céus,

Navegar pelos mares,

Pousar nos fios ao léu,

Viajar pelo mundo

Sem sair dos lares!

VIII

Mas o Gigante dos Portões do Inferno

Derrotado, humilhado

Pelo grande herói, Capitão Crunch

Preparou sua revanche

E trancado às margens do Cocito,

Olhando para a luz de uma vela,

Tem a feliz idéia

De inventar uma máquina

Cheia de janelas,

E como a Máquina do Mundo de Tétis

Leva todo mundo ao Letes,

A botar a cara nas janelas

Para ver que tudo cabe numa cela!





Notas: Os tipos que compõem este poema foram xerocopiados a partir das seguintes obras:

1) - Homero. Ilíada, tradução de Manuel Odorico Mendes, p. 275, Clássicos Jackson, vol. 21.Rio de Janeiro, W.M. Jackson Editores inc., Rio de Janeiro, 1952.

2) - James Joyce. Ulisses, trad. Antônio Houaiss, p. 683. São Paulo, Abril, 1983.

3) - Carlos Drummond de Andrade. Obra Completa, org. Afrânio Coutinho, p. 135. Rio de Janeiro, Aguilar editora, 1967.

4) - Revista Portugal Futurista, capa. Lisboa, Novembro, 1917.

5) - Luís de Camões. Os Lusíadas, 1.ª edição, capa, 1572.

6) - Revista Klaxon, capa. São Paulo, Brasil.

7) - Homero. Odisséia, trad. Manuel Odorico Mendes, p. 219, Biblioteca clássica, vol. 34, 2.ª ed. São Paulo, Atena, 1957.

8) - Décio Pignatari. Poesia Pois É Poesia, poema "Organismo". São Paulo, Livraria Duas Cidades, São Paulo, 1977.

9) - Goethe. Fausto, trad. Jenny Klabin Segall, p. 43. Belo Horizonte, Itatiaia, 1981.

10) - Umberto Eco. O Nome da Rosa, trad. Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, 11.ª edição. São Paulo, Nova Fronteira, 1983.

11) - Mário Faustino. Poesia Completa, p. 305. São Paulo, Max Limonad, 1985 (trata-se da tradução do poema de Bertolt Brecht, "Na Die Nachgeborenen", p. 304, op. Cit.)

12) - Raul Bopp. Cobra Norato e Outros Poemas, coleção Vera Cruz, vol. 168, p. 40. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 12.ª edição, 1978.

13) - Gonçalves Dias. Coleção Nossos Clássicos, p. 36, v. 18, poema "I - Juca Pirama". Rio de Janeiro, Agir, 13.ª edição, 1989.

14) - Paulo Leminski. Distraídos Veceremos, p. 87. São Paulo, Brasiliense, 1984.

15) - Homero. Ilíada, ibidem, p. 277.

16) - Gregório de Matos. Poemas Escolhidos, org. José Miguel Wisnik, p. 58. São Paulo, Cultrix, s.d.

17) - João Cabral de Melo Neto. Antologia Poética, p. 9. Rio de Janeiro, José Olympio, 1979.

18) - Augusto de Campos. Viva Vaia, poema "Rever". São Paulo, Duas Cidades, 1979 (a letra "v" a seguir é do mesmo poema).

19) - Poesia Russa Moderna. Vários Autores, trad. Boris Schnaiderman, Haroldo de Campos e Augusto de Campos, poema de Vassili Kamienski, p. 65, 2.ª edição. São Paulo, Brasiliense, 1985. (Veja também a letra "p" invertida, retirada do mesmo poema).

Demais letras do poema são da separata "Um Coup de Dés Jamais N'Abolira le Hasard". Stéphane Mallarmé. Col. Signos, vol. 2, Mallarmé, trad. Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. São Paulo, Perspectiva, 1974.

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