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terça-feira, 31 de março de 2009

Renascimento


















homem vitruviano de Leonardo da Vinci sintetiza o ideário renascentista: humanista e clássico
Renascimento ou Renascença são os termos usados para identificar o período da História da Europa aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII [1][2], quando diversas transformações em uma multiplicidade de áreas da vida humana assinalam o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas transformações serem bem evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião, caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências [3].
Chamou-se "Renascimento" em virtude da redescoberta e revalorização das referências culturais da antigüidade clássica, que nortearam as mudanças deste período em direção a um ideal humanista e naturalista. O termo foi registrado pela primeira vez por Giorgio Vasari já no século XVI, mas a noção de Renascimento como hoje o entendemos surgiu a partir da publicação do livro de Jacob Burckhardt A cultura do Renascimento na Itália (1867), onde ele definia o período como uma época de "descoberta do mundo e do homem" [4]. Apesar do grande prestígio que o Renascimento ainda guarda entre os críticos e o público, historiadores modernos têm começado a questionar se os tão divulgados avanços merecem ser tomados desta forma.
O Renascimento cultural manifestou-se primeiro na região italiana da Toscana, tendo como principais centros as cidades de Florença e Siena, de onde se difundiu para o resto da Itália e depois para praticamente todos os países da Europa Ocidental. A Itália permaneceu sempre como o local onde o movimento apresentou maior expressão, porém manifestações renascentistas de grande importância também ocorreram na Inglaterra, Alemanha, Países Baixos e, menos intensamente, em Portugal e Espanha, e em suas colônias americanas.
Índice
[esconder]
1 Idéias centrais
2 Fases do Renascimento e seu contexto
2.1 Trecento
2.2 Quattrocento
2.3 Alta Renascença
2.4 O Cinquecento e o Maneirismo italiano
3 As artes no Renascimento
3.1 Pintura
3.2 Escultura
3.3 Música
3.4 Arquitetura
4 A italianização da Europa
4.1 França
4.2 Países Baixos e Alemanha
4.3 Portugal e Espanha
4.4 Inglaterra
5 Críticas
6 Legado
7 Ver também
7.1 História, filosofia e estética
7.2 Escolas nacionais
7.3 Artes e ciências
8 Ligações externas
9 Referências


[editar] Idéias centrais
Ver artigo principal: Filosofia do Renascimento
O Humanismo pode ser apontado como o principal valor cultivado no Renascimento. Baseia-se em diversos conceitos associados: Neoplatonismo, Antropocentrismo, Hedonismo, Racionalismo, Otimismo e Individualismo.
O Humanismo, antes que um corpo filosófico, é um método de aprendizado que faz uso da razão individual e da evidência empírica para chegar às suas conclusões, paralelamente à consulta aos textos originais, ao contrário da escolástica medieval, que se limitava ao debate das diferenças entre os autores e comentaristas. O Humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o investigador por excelência da natureza. Na perspectiva do Renascimento, isso envolveu a revalorização da cultura clássica antiga e sua filosofia, com uma compreensão fortemente antropocentrista e racionalista do mundo, tendo o homem e seu raciocínio lógico e sua ciência como árbitros da vida manifesta [5]. Seu precursor foi Petrarca, e o conceito se consolidou no século XV principalmente através dos escritos de Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, Pico della Mirandola e Thomas More.


Marsílio Ficino. Biblioteca Medicea Laurenziana


Pico della Mirandola
O brilhante florescimento cultural e científico renascentista deu origem a sentimentos de otimismo, abrindo positivamente o homem para o novo e incentivando seu espírito de pesquisa. O desenvolvimento de uma nova atitude perante a vida deixava para trás a espiritualidade excessiva do gótico e via o mundo material com suas belezas naturais e culturais como um local a ser desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes do homem. Além disso, os experimentos democráticos italianos, o crescente prestígio do artista como um erudito e não como um simples artesão, e um novo conceito de educação que valorizava os talentos individuais de cada um e buscava desenvolver o homem num ser completo e integrado, com a plena expressão de suas faculdades espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de liberdade social e individual [6].
Reunindo esse corpus eclético de idéias, os homens do Renascimento cunharam ou adaptaram à sua moda alguns outros conceitos, dos quais se destacam as teorias da perfectibilidade e do progresso, que na prática impulsionaram positivamente a ciência de modo a tornar o período em foco como o marco inicial da ciência moderna. Mas como que para contrapô-los surgiu uma percepção de que a história é cíclica e tem fases de declínio inevitável, e de que o homem natural é um ser sujeito a forças além de seu poder e não tem domínio completo sobre seus pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a duração de sua própria vida. O resultado foi um grande e rico debate teórico entre os eruditos, recheado por fatos novos que apareciam a cada momento, que só teve uma resolução prática no século XVII, com a afirmação irresistível e definitiva da importância da ciência. Por um lado, alguns daqueles homens se viam como herdeiros de uma tradição que havia desaparecido por mil anos, crendo reviver de fato uma grande cultura antiga, e sentindo-se até um pouco como contemporâneos dos romanos. Mas havia outros que viam sua própria época como distinta tanto da Idade Média como da Antiguidade, com um estilo de vida até então inédito sobre a face da Terra, sentimento que era baseado exatamente no óbvio progresso da ciência. A história confirma que nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos, e foram descobertas diversas leis naturais e objetos físicos antes desconhecidos; a própria face do planeta se modificou nos mapas depois dos descobrimentos das grandes navegações, levando consigo a física, a matemática, a medicina, a astronomia, a filosofia, a engenharia, a filologia e vários outros ramos do saber a um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, cada qual contribuindo para um crescimento exponencial do conhecimento total, o que levou a se conceber a história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor [7]. Talvez seja esse espírito de confiança na vida e no homem o que mais liga o Renascimento à antiguidade clássica e o que melhor define sua essência e seu legado. O seguinte trecho de Pantagruel (1532), de François Rabelais, costuma ser citado para ilustrar o espírito do Renascimento:
Todas as disciplinas são agora ressuscitadas, as línguas estabelecidas: Grego, sem o conhecimento do qual é uma vergonha alguém chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu, Latim (...) O mundo inteiro está cheio de acadêmicos, pedagogos altamente cultivados, bibliotecas muito ricas, de tal modo que me parece que nem nos tempos de Platão, de Cícero ou Papiniano, o estudo era tão confortável como o que se vê a nossa volta. (...) Eu vejo que os ladrões de rua, os carrascos, os empregados do estábulo hoje em dia são mais eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo.


Hans Holbein: Retrato de Erasmo, 1523. Frick Collection
O preparo que os humanistas preconizavam para a formação do homem ideal, são de corpo e espírito, ao mesmo tempo um filósofo, um cientista e um artista, se desenvolveu a partir da estrutura de ensino medieval do Trivium e do Quadrivium, que compunham a sistematização do conhecimento da época. A novidade renascentista não foi tanto a ressurreição da sabedoria antiga, mas sua ampliação e aprofundamento com a criação de novas ciências e disciplinas, de uma nova visão de mundo e do homem e de um novo conceito de ensino e educação [8]. O resultado foi um grande e frutífero programa disciplinador e desenvolvedor do intelecto e das habilidades gerais do homem, que tinha origem na cultura greco-romana e que de fato em parte se perdera para o ocidente durante a Idade Média. Mas é preciso lembrar que apesar da idéia que os renascentistas pudessem ter de si mesmos, o movimento jamais poderia ser uma imitação literal da cultura antiga, por acontecer todo sob o manto do Catolicismo, cujos valores e cosmogonia eram bem diversos. Assim, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do oculto não estavam ausentes [9].
O pensamento medieval tendia a ver o homem como uma criatura vil, uma "massa de podridão, pó e cinza", como se lê em De laude flagellorum de Pedro Damião, no século XI. Mas quando se eleva a voz de Pico della Mirandola no século XV o homem já representava o centro do universo, um ser mutante, essencialmente imortal, autônomo, livre, criativo e poderoso, o que ecoava as vozes mais antigas de Hermes Trismegisto ("Grande milagre é o homem") e do árabe Abdala ("Não há nada mais maravilhoso do que o homem"). Esse otimismo se perderia novamente no século XVI, com a reaparição do ceticismo, do pessimismo, da ironia e do pragmatismo em Erasmo, Maquiavel, Rabelais e Montaigne, que veneravam a beleza dos ideais do classicismo mas tristemente constatavam a imposssibilidade de sua aplicação prática universal e testemunhavam o deplorável jogo político, a pobreza e opressão das populações e outros problemas sociais e morais do homem real de seu tempo [10].
[editar] Fases do Renascimento e seu contexto
Ver artigo principal: Política do Renascimento
Ver artigo principal: Economia do Renascimento
Costuma-se dividir o Renascimento em três grandes fases, Trecento, Quattrocento e Cinquecento, correspondentes aos séculos XIV, XV e XVI, com um breve interlúdio entre as duas últimas chamado de Alta Renascença.
[editar] Trecento
O Trecento representa a preparação para o Renascimento e é um fenômeno basicamente italiano, mais especificamente da cidade de Florença, pólo político, econômico e cultural da região, embora outros centros também tenham participado do processo, como Pisa e Siena, tornando-os a vanguarda da Europa em termos de economia, cultura e organização social, conduzindo a transfomação do modelo medieval para o moderno. A economia era dinamizada pela fundação de grandes casas bancárias, pela noção de livre concorrência e pela forte ênfase no comércio, e cada vez mais se estruturava em moldes capitalistas e bastante materialistas, onde a tradição foi sacrificada diante do racionalismo, da especulação financeira e do utilitarismo. O sistema de produção desenvolvia novos métodos, com uma nova divisão de trabalho organizada pelas guildas e uma progressiva mecanização, mas levando a uma despersonalização da atividade artesanal. A Itália nesta época era um mosaico de pequenos países e cidades independentes. O regime republicano com base no racionalismo fora adotado por vários daqueles Estados, e a sociedade via crescer uma classe média emancipada intelectual e financeiramente que se tornaria um dos principais pilares do poder e um dos sustentáculos de um novo mercado de arte e cultura [11].


Ambrogio Lorenzetti: Alegoria do Bom Governo, c. 1328. Palazzo Pubblico, Siena


Simone Martini: Guidoriccio da Fogliano no assédio de Montemassi, 1328. Palazzo Pubblico, Siena
O início do século vive intensas lutas de classes, com prejuízo para os trabalhadores não vinculados às guildas, e como conseqüência instala-se grave crise econômica, que tem um ponto culminante na bancarrota das famílias Bardi e Peruzzi em torno de 1328-38, gerando uma fase de estagnação que não obstante levaria a pequena burguesia pela primeira vez ao poder. Esta situação é comentada depreciativamente pelos poetas célebres da época - Boccaccio e Villani - mas constitui a primeira experiência democrática em Florença, durando um intervalo de cerca de quarenta anos. Tumultos políticos e militares, além de duas devastadoras epidemias de peste bubônica, provocam períodos de fome e desalento, com revoltas populares que tentam modificar o equilíbrio político e social, mas só conseguem assegurar a permanência dos burgueses à testa do governo. Os Médici, banqueiros plebeus, assumem a liderança da classe mas logo se revestem da dignidade da nobreza e um sistema oligárquico volta a dominar a cena política, muitas vezes se valendo da corrupção para atingir seus fins, mas também iniciando um costume de mecenato das artes que seria fundamental para a evolução do classicismo no século seguinte [12].
Na religião a mudança foi assinalada pela busca, amparada pela ciência, de explicações racionais para os fenômenos da natureza; por uma nova forma de ver as relações entre Deus e o homem, e pela idéia de que o mundo não deveria ser renegado, mas vivenciado plenamente, e que a salvação poderia ser conquistada também através do serviço público e do embelezamento das cidades e igrejas com obras de arte, além da prática de outras ações virtuosas. Deve-se frisar que mesmo com a crescente influência clássica, que era toda pagã na origem, o Cristianismo jamais foi posto em xeque e permaneceu como um pano de fundo ao longo de todo o período, criando-se a síntese original que conhecemos hoje. [13]
[editar] Quattrocento


Luca Pacioli


Jorge de Trebizonda: página do seu Comentário sobre o Almagesto
O chamado Quattrocento (século XV) vê o Renascimento atingir sua era dourada. O Humanismo amadurece e se espalha pela Europa através de Ficino, Rodolphus Agricola, Erasmo, Mirandola e Thomas More. Leonardo Bruni inaugura a historiografia moderna e a ciência e a filosofia progridem com Luca Pacioli, János Vitéz, Nicolas Chuquet, Regiomontanus, Nicolau de Cusa e Georg von Peuerbach. Ao mesmo tempo, um novo interesse pela história antiga levou humanistas como Niccolò de' Niccoli e Poggio Bracciolini a vasculharem as bibliotecas da Europa em busca de livros perdidos de autores como Platão, Cícero, Plínio, o Velho, e Vitrúvio. A reconquista da Península Ibérica aos mouros também disponibilizou para os eruditos europeus um grande acervo de textos de Aristóteles, Euclides, Ptolomeu e Plotino, preservados em traduções árabes e desconhecidos na Europa, e de obras muçulmanas de Avicena, Geber e Averróis, contribuindo de modo marcante para um novo florescimento na filosofia, matemática, medicina e outras especialidades científicas. Para acrescentar, o aperfeiçoamento da imprensa por Johannes Gutenberg em meados do século facilitou e barateou imenso a divulgação do conhecimento.


Página da Bíblia de Gutenberg, 1455
Um novo vigor nessa busca foi injetado após o fim do império bizantino e sua tomada pelos turcos, quando muitos intelectuais gregos, como Jorge de Trebizonda, Johannes Argyropoulos, Theodorus Gaza e Barlaam de Seminara, imigraram para a Itália e outras partes trazendo consigo e divulgando muitos textos clássicos e ensinando a ciência e língua gregas e a arte da exegese. Grande proporção do que hoje se conhece de literatura e legislação greco-romanas nos foi preservado por Bizâncio [14][15]. Esse afluxo de novas informações e conhecimentos e o concomitante progresso em todas as áreas da sociedade levaram os intelectuais a perceberem que se achavam em meio a uma fase de renovação da cultura comparável às fases brilhantes das civilizações antigas, em oposição à Idade Média anterior, que passou a ser considerada uma era de obscuridade e ignorância [16] [17].
A progressiva aristocratização dos principais burgueses dá à arte um caráter palaciano e profano, e esta é uma tendência geral, que nasce a partir de um período de grande prosperidade econômica de Florença que, apesar de ameaçada por Milão e Nápoles, reconquista sua primazia regional. A opulência da oligarquia, que adquire grande cultura e se entrega à "bela vida", gera na classe média uma resistência retrógrada que busca no gótico idealista um ponto de apoio contra o que vê como indolência da classe dominante. Estas duas tendências opostas dão o tom para a primeira metade deste século, até que a pequena burguesia enfim abandona o idealismo antigo e passa a entrar na corrente geral racionalista. É o século de Lorenzo de' Medici, o grande mecenas, e o interesse pela arte se difunde para círculos cada vez maiores.
[editar] Alta Renascença
A Alta Renascença cronologicamente engloba os anos finais do Quattrocento e as primeiras décadas do Cinquecento, sendo delimitada aproximadamente pelas obras de maturidade de Leonardo da Vinci (a partir de c. 1480) e o Saque de Roma em 1527. É a fase de culminação do Renascimento, que se dissipa mal é atingida, mas seu reconhecimento é importante porque aqui se cristalizam ideais que caracterizam todo o movimento renascentista: o Humanismo, a noção de autonomia da arte, a emancipação do artista de sua condição de artesão e equiparação ao cientista e ao erudito, a busca pela fidelidade à natureza, e o conceito de gênio, tão perfeitamente encarnado em Da Vinci, Rafael e Michelangelo, e se a passagem da Idade Média para a Idade Moderna não estava ainda completa, pelo menos estava assegurada sem retorno possível. Eventos como a descoberta da América e a Reforma Protestante, e técnicas como a imprensa de tipos móveis, transformam a cultura e a visão de mundo dos europeus, ao mesmo tempo em que a atenção de toda a Europa se volta para a Itália e seus progressos e as grandes potências da França, Espanha e Alemanha desejam sua partilha, fazendo dela um campo de batalhas e pilhagens, e com isso espalhando sua arte e influência por uma vasta região do continente [18][19][20]

Michelangelo: David, 1504. Galleria dell’Accademia
Rafael: Madonna Cowper, 1504/1505. National Gallery of Art, Washington
Leonardo: A Virgem das Rochas, versão de Londres, 1503-1506. National Gallery
Bramante: O Tempietto na igreja de San Pietro in Montorio, 1502. Roma

É na Alta Renascença que a arte atinge a perfeição e o equilíbrio classicistas perseguidos durante todo o processo anterior, especialmente no que diz respeito à pintura e à escultura. Porém esse classicismo, embora maduro e rico, conseguindo plasmar obras de grande pujança, comparáveis à arte antiga, tem forte carga formalista, espelhando o código de ética artificial, cosmopolita e abstrato que se impõe entre os círculos ilustrados e que prescreve a moderação, autocontrole, dignidade e polidez em tudo, e que tem na pintura de Rafael e na música de Palestrina seus mais perfeitos representantes artísticos, e no livro O Cortesão de Baldassare Castiglione sua súmula teórica. O idealismo que foi intensamente cultivado na antigüidade clássica encontra uma atualização e, segundo Hauser,


Giovanni Bellini: Sacra conversazione, 1505-1510. Museu Thyssen-Bornemisza, Madrid
"De acordo com os pressupostos desta arte, pareceria inconcebível, por exemplo, que os apóstolos fossem representados como camponeses vulgares e artesãos comuns, como o eram tão freqüentemente e com tanto sabor, no século XV. Para esta arte nova, os profetas, apóstolos, mártires e santos são personalidades ideais, livres, grandes, poderosas e dignificadas, graves e solenes, uma raça heróica, em plena florescência de beleza madura e enternecedora. Na obra de Leonardo encontramos ainda tipos da vida comum, ao lado destas nobres figuras, mas gradualmente nada que não seja grande e sublime parece digno de representação artística" [21].
Apesar daquele código de ética, é uma sociedade agitada por mudanças políticas, sociais e religiosas importantes em que a liberdade anterior desaparece, e o autoritarismo e a dissimulação se ocultam por trás das normas de boa educação e da disciplina, como se patenteia em O Príncipe, de Maquiavel, um manual de governo que dizia que "não existem boas leis sem boas armas", não distinguindo poder de autoridade e legitimando o uso da força para controle do cidadão, livro que é uma referência fundamental do pensamento político renascentista e uma inspiração decisiva para a construção do Estado moderno. Assim, a grande diferença de mentalidade entre o Quattrocento e o Cinquecento é que enquanto naquele a forma é um fim, neste é um começo; enquanto naquele a natureza fornecia os padrões que a arte imitava, neste a sociedade precisará da arte para provar que existem tais padrões [22]. Rafael resume os opostos em seu famoso afresco A Escola de Atenas, uma das mais importantes pinturas da Alta Renascença, realizada na primeira década do Cinquecento, que ressuscita o diálogo filosófico entre Platão e Aristóteles, ou seja, entre o idealismo e o pragmatismo.
[editar] O Cinquecento e o Maneirismo italiano
Ver artigo principal: Maneirismo


Pontormo: A deposição da cruz, 1525-1528. Santa Felicita, Florença
O Cinquecento (século XVI) é a derradeira fase da Renascença, quando o movimento se transforma, se expande para outras partes da Europa e Roma sobrepuja Florença como centro cultural a partir do pontificado de Júlio II. Roma até então não havia produzido grandes artistas renascentistas, e o classicismo havia sido plantado através da presença temporária de artistas de outras partes. Mas a partir da fixação na cidade de mestres do porte de Rafael, Michelangelo e Bramante formou-se uma escola local, tornando-a o mais rico repositório da arte da Alta Renascença e da sua continuação cinquecentesca, onde o patrocínio papal deu uma feição característica a toda esta fase.
Na seqüência do saque de Roma de 1527 e da contestação da autoridade papal pelos Protestantes o equilíbrio político do continente se altera e sua estrutura sócio-cultural é abalada, com conseqüências negativas principalmente para a Itália, que além de tudo deixa de ser o centro comercial da Europa quando novas rotas de comércio são abertas pelas grandes navegações. Todo o panorama muda de figura, declinando a influência católica, perdendo-se a unidade cultural e artística recém conquistada na Alta Renascença e surgindo sentimentos de pessimismo, insegurança e alheamento que caracterizam a atmosfera do Maneirismo. Aparecem escolas regionais nitidamente diferenciadas em Roma, Florença, Ferrara, Nápoles, Milão, Veneza, e o Renascimento se espalha por toda a Europa, dando frutos especialmente na França, Espanha e Alemanha, tingidos pelos históricos locais específicos. A arte de longevos como Michelangelo e Ticiano registra em grande estilo a transição de uma era de certezas e clareza para outra de dúvidas e drama que vê aparecer a Contra-Reforma e se dirige para o Barroco do século XVII.


Lutero aos 46 anos (Lucas Cranach o Velho, 1529)
Apesar disso, as aquisições intelectuais e artísticas da Alta Renascença que ainda estavam frescas e resplandeciam diante dos olhos não poderiam ser esquecidas de pronto, mesmo que seu substrato filosófico já não pudesse permanecer válido diante dos novos fatos políticos, religiosos e sociais. A nova arte que se faz, ainda que inspirada na fonte do classicismo, o traduz em formas inquietas, ansiosas, distorcidas, agitadas, ambivalentes, apegadas a preciosismos intelectualistas, características que bem refletem as tormentas do século [23].
O Maneirismo, que cobre os dois terços finais do século XVI e depois se confunde com o Barroco, é um estilo que tem gerado muito debate entre os historiadores da arte. Ele se manifesta em uma área geográfica tão vasta e é tão polimorfo que seu relacionamento com sua origem basicamente italiana e sua descrição genérica se tornam um problema, e suas características são tão distintas do Quattrocento e da Alta Renascença que alguns o separam da corrente renascentista tradicional e o estabelecem como um estilo independente, pois parece-lhes que em muitos sentidos ele constitui uma decadência e uma negação dos princípios clássicos de proporção equilibrada, unidade formal, clareza, lógica e naturalismo, tão prezados pelas fases anteriores. Por outro lado, depois de um longo tempo de descrédito geral do Maneirismo entre os pensadores, ele já é visto modernamente de forma positiva e conciliadora, como um aprofundamento e um enriquecimento dos pressupostos clássicos e legítima conclusão do ciclo do Renascimento; não tanto uma negação ou desvirtuamento daqueles princípios como se pensara antes, mas uma reflexão sobre sua aplicabilidade prática naquele momento histórico e uma adaptação - às vezes dolorosa mas em geral criativa e bem sucedida - às circunstâncias da época, sendo sua marca especial e sua verdadeira força expressiva, e tendo sua importância realçada por fazerem dele a primeira escola moderna de arte [24] [25].
[editar] As artes no Renascimento
[editar] Pintura
Ver artigo principal: Pintura do renascimento
Ver artigo principal: Pintura da Renascença Italiana


Giotto: Deposição de Cristo, ciclo de afrescos na Capela Scrovegni (1304-1306), Pádua


Masaccio: Cristo e o tributo, 1425-1428. Capela Scrovegni


Rafael: A Escola de Atenas, 1509. Vaticano
Sucintamente, a contribuição maior da pintura do Renascimento foi sua nova maneira de representar a natureza, através de domínio tal sobre a técnica pictórica e a perspectiva matemática, que foi capaz de criar uma eficiente ilusão de espaço tridimensional em uma superfície plana. Tal conquista significou um afastamento radical em relação ao sistema medieval de representação, com suas proporções irreais, sua estaticidade e seu espaço sem profundidade. A linguagem visual formulada pelos pintores renascentistas foi tão bem sucedida que permanece válida até hoje [26].
O cânone de proporções greco-romano volta a determinar a construção da figura humana, também volta o cultivo do Belo tipicamente clássico, e a perspectiva baseada no ponto de vista central e único define a construção dos cenários, no que se pode ver um reflexo da popularização dos princípios filosóficos do racionalismo, antropocentrismo e do humanismo. A pintura renascentista é em essência linear; o desenho era considerado o alicerce de todas as artes visuais e seu domínio, um pré-requisito para todo artista. Na construção da pintura, a linha convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e lógico, e a cor indicava os estados afetivos ou qualidades específicas. Outro diferencial em relação à arte da Idade Média é a introdução de maior dinamismo nas cenas e gestos, e a descoberta do sombreado, ou claro-escuro, como recurso plástico e mimético [27].
Giotto, atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior pintor da primeira Renascença italiana e o pioneiro dos naturalistas em pintura. Sua obra revolucionária, em contraste com a produção de mestres do gótico tardio como Cimabue e Duccio, causou forte impressão em seus contemporâneos e dominaria toda a pintura italiana do Trecento, por sua lógica, simplicidade, precisão e fidelidade à natureza [28]. Ambrogio Lorenzetti e Taddeo Gaddi continuam a linha de Giotto sem inovar, embora em outros características progressistas se mesclem com elementos do gótico ainda forte, como se vê na obra de Simone Martini e Orcagna. O estilo naturalista e expressivo de Giotto, contudo, representa a vanguarda na visualidade desta fase, e se difunde para Siena, que por um tempo passa à frente de Florença nos avanços artísticos, e dali se estende para o norte e oeste da Itália.


Michelangelo: Jonas, Capela Sistina
No Renascimento as representações da figura humana adquirem solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento de autoconfiança de uma sociedade que se torna muito rica e complexa, com vários níveis sociais, de variada educação e referenciais, que dela participavam ativamente, formando um painel multifacetado de tendências e influências. Nesse sentido, depois de Giotto o próximo marco evolutivo é Masaccio, em cujas obras o homem tem um aspecto nitidamente enobrecido. Dele se disse que foi "o primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra" [29]. Com Leonardo da Vinci a técnica do óleo se refina e penetra no terreno do sugestivo, e a arte se casa com a ciência. Com Rafael se revela a doçura, a grandeza e a perfeita harmonia, e Michelangelo leva a figura humana a uma nova dimensão, a do sobre-humano.
Fra Angelico, Paolo Uccello, Benozzo Gozzoli e Lorenzo Monaco expressam os últimos ecos do gótico, enquanto que a solenidade do alto classicismo é aparente na obra austera de Masaccio, Piero della Francesca e Ghirlandaio, que servem a patronos puritanos. Para um outro público trabalham Botticelli, Pollaiuolo, Filippo Lippi, cuja obra tem caráter mais mundano a despeito da temática muitas vezes sagrada [30].
Junto com Florença, Veneza, que teve uma evolução atípica e tinha artistas como Jacopo Bellini, Giovanni Bellini, Vittore Carpaccio, Mauro Codussi e Antonello da Messina, representam a vanguarda artística européia no Quattrocento, enquanto que Siena oscilava entre o gótico e o classicismo, e as cortes do vale do Pó e mais ao norte e a oeste continuam a se inspirar em modelos franceses - cuja influência sobre a Toscana é apenas pontual, trazida por artistas como Gentile da Fabriano e Domenico Veneziano[31]. Contudo, o classicismo começa a extravasar as fronteiras florentinas, chegando a outras cidades através de artistas importantes: Perugia com Perugino; Urbino com Francesco Laurana; Roma com Pinturicchio, Masaccio, Melozzo da Forli, e Giuliano da Sangallo; Pádua e Mântua com Mantegna.
Na Alta Renascença o sistema classicista de representação visual chega a um apogeu com a obra de Rafael Sanzio, de larga influência, mas essa fase de grande equilíbrio formal não dura muito, logo é transformada profundamente no Maneirismo. Toda a noção de espaço é alterada, a perspectiva se fragmenta em múltiplos pontos de vista, e as proporções da figura humana são distorcias com finalidades expressivas ou meramente estéticas, formulando-se uma linguagem visual mais dinâmica, vibrátil, subjetiva, dramática e sofisticada. Pontormo, Veronese, Romano, Tintoretto, Bronzino, e Michelangelo em sua fase madura são exemplos típicos do Maneirismo plenamente manifesto. Giorgio Vasari, um pintor e arquiteto maneirista de mérito secundário, também deve ser lembrado por sua importância maior como biógrafo e historiador da arte, um dos primeiros a reconhecer todo o ciclo renascentista como uma fase de renovação cultural e o primeiro a usar o termo "Renascimento" na bibliografia, em sua enciclopédica Le Vite de' più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, uma das fontes primárias para o estudo da vida e obra de muitos artistas do período.

Fra Angelico: Anunciação, c. 1440. Museu Nacional de São Marcos, Florença
Piero della Francesca: Flagelação de Cristo, 1460. Galleria Nazionale delle Marche, Urbino
Pietro Perugino: O batismo de Cristo, ca. 1481-83. Capela Sistina
Boticelli: O nascimento de Vênus, 1485. Uffizi

Parmigianino: Madonna do pescoço longo, 1534-40. Uffizi]]
Michelangelo: O Juízo Final, 1534-41. Capela Sistina
Bronzino: Alegoria do triunfo de Vênus, 1540-1545. National Gallery of London
Federico Barocci: A Madonna do povo, 1579. Uffizi

[editar] Escultura
Ver artigo principal: Escultura do Renascimento
Na escultura os sinais de uma revalorização de uma estética classicista são mais antigos, datando do século XIII. Nicola Pisano em torno de 1260 produziu um púlpito para o Batistério de Pisa que é considerado a manifestação precursora da Renascença em escultura [32]. Na passagem do século XIII para o século XIV seu filho Giovanni Pisano levaria seu estilo mais longe e dominaria a cena em Florença no primeiro terço do século, e seria um dos introdutores de um gênero novo, o dos cruxifixi dolorosi, de grande dramaticidade e larga influência, até então incomum na Toscana [33]. Seu talento versátil daria origem a outras obras de suma elegância e austeridade, de linhas limpas e puras, como o retrato de Enrico Scrovegni. Suas Madonnas, relevos e o púlpito da Catedral de Pisa são, por outro lado, muito mais movimentados e graciosos, com elementos góticos mesclados a um novo senso de proporção e espaço que infere seu estudo dos clássicos. Contemporâneos como Tino di Camaino seguem aproximadamente a mesma linha de trabalho, num cruzamento de correntes que seria típico de todo o Trecento. Em meados do século Andrea Pisano se torna um dos escultores mais importantes da Itália, autor dos relevos da porta sul do Batistério de Florença e sendo nomeado arquiteto da Catedral de Orvieto. Foi mestre de Orcagna, cujo tabernáculo em Orsanmichele é uma das obras-primas do período, e de Giovanni di Balducci, autor de um requintado e complexo monumento funerário na Capela Portinari de Milão.


Michelangelo: Baco, Museu del Bargello


Donatello: Habacuc. Museo dell'Opera del Duomo
Apesar dos avanços dos mestres citados acima, sua obra ainda reflete o embate entre as tendências antigas e modernas, e elementos góticos ainda são nitidamente visíveis em todos eles. Para o fim do Trecento surge em Florença a figura de Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no Batistério de São João, onde os modelos clássicos são recuperados por completo. Logo em seguida Donatello conduz os avanços em várias frentes. Nas suas obras principais figuram as estátuas de profetas do Antigo Testamento. Deles talvez o Habacuc seja a mais impressionante, uma imagem cujo porte lembra fortemente um romano com sua toga, quase extraído diretamente da retratística da Roma republicana. Ousou ao modelar a primeira figura de nu de grandes dimensões em volume completo desde a antiguidade, o David de 1430. Também inovou na estatuária equestre, criando o monumento a Gattamelata, a mais importante obra em seu gênero desde o Marco Aurélio romano do Capitólio. Por fim, sua descarnada Madalena penitente, em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e transfiguração que não teve paralelos em sua época, reintroduzindo um pungente senso de drama e realidade na estatuária que só se viu no Helenismo [34].
Na geração seguinte Verrocchio se destaca pela teatralidade e dinamismo das composições. Seu Cristo e São Tomé tem grande realismo e poesia. Compôs um Jovem com um golfinho para a fonte de Netuno em Florença que é o protótipo da figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado pelo Maneirismo e Barroco. Sua obra maior, o monumento equestre a Bartolommeo Colleoni é uma expresão de poder e força mais impressionante que o Gattamelata. Desiderio da Settignano e Antonio Rosselino também merecem lembrança. Florença continuou o centro da evolução até o aparecimento de Michelangelo, que trabalhou em Roma para os papas - e também em Florença para os Medici - e foi o maior nome da escultura desde a Alta Renascença até meados do Cinquecento. Sua obra passou do classicismo puro do David, do Baco, e chegou ao Maneirismo, expresso em obras veementes como os Escravos, o Moisés, e os nus da Capela Medici em Florença. Artistas como Baccio Bandinelli, Agostino di Duccio e Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria, como o Adão [29] deste último. Encerram o ciclo renascentista Giambologna, Francesco da Sangallo, Jacopo Sansovino e Benvenuto Cellini, com um estilo de grande dinamismo e expressividade, tipificado no Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas importantes em outros países da Europa já iniciam a trabalhar em linhas claramente italianas, como Adriaen de Vries no norte e Germain Pilon na França, espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e dando origem a várias formulações sincréticas com escolas regionais[35].

Giovanni Pisano: Retrato de Enrico Scrovegni, Capela Scrovegni, Pádua (Cópia do Museu Pushkin)
Agostino di Duccio: Madonna, século XV. Museo dell'Opera di Santa Maria del Fiore
Verrocchio: São Tomé e Cristo, 1466-83, Orsanmichele, Florença
Giambologna: O rapto da sabina, 1581-82. Loggia dei Lanzi, Florença

[editar] Música
Ver artigo principal: Música do Renascimento
Em linhas gerais a música do Renascimento não oferece um panorama de quebras abruptas de continuidade, e todo o longo período pode ser considerado o terreno da lenta transformação do universo modal para o tonal, e da

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